quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Morrissey em revisão


CD
Greatest Hits (Universal Music)
2008

Resenha publicada originalmente no jornal IM - INTERNATIONAL MAGAZINE, edição nº 143 (junho de 2008).


Coletânea tenta alçar as (boas) faixas recentes do ex-vocalista dos Smiths à condição de clássicos

Nos primeiros anos após a dissolução dos Smiths – a banda inglesa se separou em 1987 –, Morrissey editou álbuns apenas regulares, como Viva Hate, seu primeiro disco solo, de 1988, e Kill Uncle, o segundo, de 1991. Mesmo assim, Mozz sempre conseguiu emplacar hits eventuais como “Suedehead”, o single “The Last Of The Famous International Playboys” e a tristonha “Everyday Is Like Sunday” (“Todos os dias parecem domingos./ Todos os dias são silenciosos e cinzentos”). Nada, no entanto, que se comparasse ao seu antigo grupo.

Em seu terceiro álbum, o bardo de Manchester parecia ter reencontrado o caminho do gol. O surpreendente Your Arsenal, de 1992, foi bem recebido pela crítica e sinalizava uma reabilitação – impressão confirmada nos trabalhos seguintes, Beethoven Was Deaf (gravado ao vivo em 1993) e Vauxhall And I (de 1994).

O marasmo, no entanto, retornaria em Southpaw Grammar (de 1995), persistindo em Maladjusted (de 1997). Parecia claro: o artífice de pérolas dos Smiths como “Ask” e “There Is A Light That Never Goes Out” havia se tornado um has been.

Entretanto, após sete anos de silêncio, Morrissey conseguiu aquilo em que ninguém mais acreditava: sua redenção artística. Em You're The Quarry, editado pela modesta Attack/Sanctuary, o cantor ressurge ácido como há muito não se via, sem demonstrar o menor sinal de cansaço. O mesmo vale para o seu disco mais recente, Ringleader Of The Tormentors, de 2006, gravado em Roma, cidade em que reside atualmente.

E, bem, todos sabem que, no mercado fonográfico, um momento propício de uma artista sempre pede uma... Sim, exatamente: uma coletânea. Justamente por isso, acaba de chegar ao Brasil, via Universal Music, a compilação Greatest Hits.

Lançado também em vinil duplo (o rótulo do CD até emula, jocoso, o design de uma antiga bolacha), o álbum, obviamente, não deixa de trazer os primeiros sucessos solos do cantor: as supracitadas “Suedehead”, “The Last Of The Famous...” e “Everyday is Like Sunday”, além da bela “The More You Ignore Me, The Closer I Get”. Mas acaba ficando só nisso. Nada de “We Hate It When Our Friends Become Successful”, “Hold On To Your Friends” ou “November Spawned A Monster”. A intenção desse Greatest Hits, na verdade, é outra.

O repertório desse disco é formado basicamente por fonogramas dos dois álbuns pós-ressurreição de Morrissey, como a ótima “Irish Blood, English Heart”, “You Have Killed Me”, “In The Future When All's Well” e “The Youngest Was The Most Loved”, entre outras.

Morrissey, na verdade, já teve três outras coletâneas dignas de registro (e, sinceramente, bem mais atraentes do que essa recém-lançada): Bona Drag, interessante reunião de singles e lados B, editada em 1988; a boa Suedehead: The Best Of..., de 1997; e The Best Of..., de 2001, que possui duas faixas a mais do que a anterior. De modo que, se você tem uma das três – preferencialmente a terceira – e também os dois últimos álbuns de estúdio do cantor, os já mencionados You're The Quarry e Ringleader Of The Tormentors, poderia muito bem dispensar esse Greatest Hits.

Só que ninguém joga para perder, certo? E a gravadora, para que esse produto tivesse um gancho, incluiu duas músicas inéditas: “All You Need Is Me” e “That's How People Grow Up”, ambas bem bacanas, aliás. E isso obriga a quem realmente é fã do cara a não abrir mão dessa compilação.

Existe, contudo, uma versão deluxe, importada, que traz um CD bônus com faixas gravadas na apresentação do cantor no Hollywood Bowl. Essa, sim, vale a pena.



Veja o vídeo de “Irish Blood, English Heart:

Milton Nascimento: ‘pororoca’ de gênios


CD
Novas Bossas (EMI)
2008

Resenha publicada originalmente no jornal IM - INTERNATIONAL MAGAZINE, edição nº 143 (junho de 2008).


Em 'Novas Bossas', Milton abraça o DNA jobiniano

A primeira vez em que Milton Nascimento explicitou sua admiração pela música de Antônio Carlos Jobim foi em 1970, quando regravou “A Felicidade” em Milton, seu quarto álbum. Nem todos sabem, mas o cantor era considerado pelo autor de “Meditação” o melhor intérprete de suas canções. “O único que respeita as tonalidades originais”, dizia o Maestro Soberano. Por conta disso, Tom acalentava o desejo de que, um dia, Bituca regravasse – pasmem – toda a sua obra.

Seis anos após o seu último trabalho, o ótimo Pietá – e aproveitando os 50 anos da Bossa Nova –, Milton retribui o afeto e homenageia a memória de Jobim em Novas Bossas (EMI), gravado no estúdio que possui em sua casa, no Rio de Janeiro. O disco conta com a colaboração mais do que especial do Jobim Trio.

Formado por Paulo e Daniel Jobim – respectivamente, filho e neto de Tom – e Paulo Braga, o Jobim Trio acompanha Milton em versões corretas de clássicos jobinianos como “Samba do Avião”, “Chega de Saudade”, “Caminhos Cruzados” e “Inútil Paisagem”, entre outros. Destaque também para “Medo de Amar”, bissexta composição solitária de Vinícius de Moraes, “O Vento”, de Dorival Caymmi, e a inédita “Dias Azuis”, de Daniel Jobim.

Nesse projeto, Milton também relê canções suas como “Tudo O que Você Podia Ser”, “Cais” (ambas da obra-prima Clube da Esquina, de 1972) e “Tarde”, faixa gravada pela primeira vez em seu terceiro álbum, epônimo, de 1969.

Triste, no entanto, é perceber, em alguns momentos do álbum, que a performance vocal de Milton Nascimento já não é mais a mesma. Talvez por uma contingência etária – o artista completará 66 anos em outubro –, talvez pela batalha diária contra a diabetes. Entretanto, isso não desqualifica o trabalho. Muito pelo contrário. Afinal, 85% de Milton ainda é melhor do que muito cantor brasileiro elevado ao cubo...



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Veja o vídeo de “Chega de Saudade:

Brilha a luz dos Stones


CD
Shine A Light (Universal Music)
2008

Resenha publicada originalmente no jornal IM - INTERNATIONAL MAGAZINE, edição nº 142 (maio de 2008).


Banda inglesa ainda mostra vitalidade na trilha do documentário de Scorsese

Depois de Bob Dylan em No Direction Home (2005), é a vez dos Rolling Stones serem retratados pela lente do diretor Martin Scorsese no show-documentário Shine A Light. Até o fechamento dessa edição do INTERNATIONAL MAGAZINE, o filme ainda não havia entrado em cartaz nos cinemas brasileiros - a estréia foi no dia 04 de abril. A trilha sonora, no entanto, chegou às lojas, via Universal. Esse é o primeiro trabalho que os Stones editam nessa gravadora, depois de anos na EMI.

Disponível em CD duplo, Shine A Light traz o áudio das duas apresentações realizadas no Beacon Theatre, Nova York, nos dias 29 de outubro e 01 de novembro de 2006, filmadas por Scorsese para a realização da película.

Como em qualquer show dos Stones, estão presentes aqueles infalíveis cavalos-de-batalha que a banda obrigatoriamente tem que tocar - se não quiser que o povo peça o dinheiro de volta -, como “Start Me Up”, “Brown Sugar”, “Jumpin' Jack Flash”, “Sympathy For The Devil” e, claro “Satisfaction”. Os Stones, no entanto, têm se dedicado recentemente a resgatar, do seu baú aparentemente sem fundo, alguns lados B que são, na realidade, verdadeiras pérolas obscuras.

Dessa forma, do ótimo álbum Some Girls (1978), a banda, acertadamente, retomou “Shattered”, o cover de “Just My Imagination” e a balada country “Faraway Eyes”, além da debochada faixa-título. Já do clássico Exile On Main Street (1972), os Stones incluíram no roteiro “All Down The Line”, “Tumbling Dice”, “Shine A Light” (a bela canção gospel que batiza o documentário) e a acústica “Loving Cup”, com a participação de Jack White, metade do duo The White Stripes.

Shine A Light ainda traz como convidados especiais o septuagenário Buddy Guy - no blues “Champagne & Reefer”, do mestre McKinley Morganfield, mais conhecido como... Muddy Waters - e uma inesperada Christina Aguilera, que, vá lá, não chegou a estragar “Live With Me” (embora tenha berrado muito mais do que qualquer fã dos Stones desejaria ouvir). A banda ainda fez a gentileza de tocar “I'm Free”, “Paint It Black” e a tristonha “As Tears Go By”, há muito ausente do repertório da banda.

Para evitar aquela velha conversa de que “as pedras ainda rolam” (provavelmente ninguém mais deve aturar ler/ouvir isso), troquemos de clichê: a “luz” dos Rolling Stones ainda brilha. Forte.



Veja o vídeo de “Shattered:

The Feeling ataca novamente


CD
Join With Us (Island Records, importado)
2008

Resenha publicada originalmente no jornal IM - INTERNATIONAL MAGAZINE, edição nº 142 (maio de 2008).


Grupo inglês encara o desafio do segundo álbum. E consegue se sair bem.

“Sewn”, primeiro single de Twelve Stops And Home, de 2006, álbum de estréia do grupo inglês The Feeling, entrou direto na sétima posição do top 10 britânico. Melancólica canção pop que, sério, não constrangeria Paul McCartney (as harmonias vocais, aliás, soam bem Beatles), “Sewn”, mesmo não tendo obtido o êxito merecido no Brasil, ainda cometeu a façanha de ser incluída na trilha do game FIFA 07. O que acabou trazendo mais visibilidade para o álbum no Velho Continente.

E todos sabem que, quando um artista alcança bons resultados em seu primeiro trabalho, é natural que exista uma expectativa extra em relação ao disco seguinte. E é nesse clima que o quinteto lança Join With Us, seu segundo álbum.

Formado por indivíduos originários de Sussex e Londres, The Feeling não chega a ser um Oasis (bem... isso quando a banda de Noel e Liam Gallagher era algo promissor). Mas o grupo possui canções pop decentes, na melhor tradição da Terra da Rainha.

Na bolacha recém-lançada, a banda preferiu lançar mão da velha máxima futebolística do time-que-está-ganhando. A exemplo do anterior, o CD se mantém na seara do soft-rock e até que desce direitinho, podendo ser assimilado desde a primeira audição. Destaque para “This Time”, “Spare Me” e a faixa-título - bem bacana, por sinal.

O álbum já gerou dois singles: a eletrônica “I Thought It Was Over” e a balada “Without You”, que tem todo jeitão de hit. Detalhe: seguindo os passos de Twelve Stops And Home, Join With Us também entrou no top 10 da Inglaterra logo na semana de lançamento. Mas com uma diferença: ao contrário de seu antecessor, foi direto para o primeiro lugar.

(De qualquer forma, fica a sugestão: procure ouvir a supracitada “Sewn”, do álbum anterior, para saber onde isso tudo começa.)



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Meio século de Cazuza


Artigo publicado originalmente no jornal IM - INTERNATIONAL MAGAZINE, edição nº 142 (maio de 2008)


Como estaria o poeta aos 50 anos de idade? E como está atualmente o seu catálogo?
Se não tivesse partido tão precocemente aos 32, Cazuza teria completado 50 anos no último dia 04 de abril. E, considerando a inquietação de Agenor de Miranda Araújo Neto, é impossível estar diante dessa efeméride sem se perguntar: do ponto de vista artístico, como estaria o Exagerado hoje em dia?

Será que, a exemplo de Raul Seixas, ele teria mantido o seu laço com o rock'n'roll? Teria Cazuza aprofundado o seu envolvimento com a MPB - explicitado em “Um Trem Para as Estrelas” (parceria com Gilberto Gil), “Codinome Beija-flor” e a bossa “Faz Parte do Meu Show”? Ou flertaria com a eletrônica que esteve em voga na década de 1990 através de grupos tão diferentes entre si como Prodigy e Portishead?

Lamentavelmente, jamais saberemos.

Quase dezoito anos após o seu desaparecimento, praticamente tudo já foi dito sobre Cazuza: sua brilhante passagem pelo Barão Vermelho; sua obra, gravada pela fina flor da música brasileira - de Caetano Veloso a Rita Lee, passando por Ney Matogrosso, Gal Costa e Maria Bethania, entre muitos outros. E, obviamente a sua luta pública contra o HIV.

O que nem é sempre é comentado é o catálogo do poeta.


Não existe um DVD do cantor

Os discos de Cazuza que foram editados pela Som Livre - os quatro álbuns gravados como vocalista do Barão e o seu primeiro trabalho solo, Cazuza, de 1985 - permanecem em catálogo e são relativamente fáceis de se encontrar. O mesmo vale para os títulos da Universal, antiga Polygram - que vão do segundo LP solo, o bom Só se For A Dois, até o póstumo, Por Aí -, disponíveis em edições até bem decentes. O que realmente impressiona é constatar que, com exceção do registro do show do Rock In Rio I do Barão Vermelho, não há um DVD sequer do artista.

Não, você não leu errado: por mais incrível que possa parecer, não existe um DVD solo de Cazuza (!).

Há, contudo, rumores de que essa lacuna será preenchida ainda em 2008, com o lançamento de DVD contendo um especial exibido pela Rede Globo em 1989 - provavelmente Uma Prova de Amor, gravado durante a temporada de Ideologia, sua derradeira (e definitiva) turnê. O audiovisual traria nos extras uma aparição do artista em um outro programa da emissora, de 1985.

Bem, torçamos para que esse prognóstico se concretize. Afinal, a obra de Cazuza merece respeito.

(Continua, entretanto, sem previsão de lançamento o show realizado em 1987 no Teatro Ipanema, Rio de Janeiro, em que Cazuza promovia o seu segundo álbum solo, o já mencionado Só se For A Dois. Exibida pela extinta Rede Manchete, a apresentação, por ironia, circula livremente pela Internet.)

Entrevista: Big Gilson*


Entrevista publicada originalmente no jornal IM - INTERNATIONAL MAGAZINE, edição nº 142 (maio de 2008). Disponível também no portal LET'S ROCK.


O homem do blues

Fundador da extinta Big Allanbik - uma das pioneiras bandas de blues do Brasil - Big Gilson possui uma agenda bastante regular de shows no exterior e promove atualmente o seu último álbum, Chrysalis, que conta com a participação do recém-falecido músico inglês The Wolf.

Em entrevista por e-mail ao INTERNATIONAL MAGAZINE, Big Gilson fala com bom humor dos motivos que o levaram a se tornar músico (“O nosso ex-presidente Collor me deu uma ‘força’”), sua participação no projeto do Álbum Branco, dos Beatles, suas maiores influências, e também de projetos futuros. E não esconde a emoção pelas palavras que recebeu de ninguém menos que o mestre B. B. King: “Quando vejo um jovem tocando blues tão bem assim - e tão longe da América -, sinto que minha missão nessa vida está cumprida”.



Gilson, em que momento da sua vida você decidiu “quero ser músico”? E o que - ou quem - levou você a tomar essa decisão?

O nosso ex-presidente Fernando Collor me deu uma “força”. Eu tinha uma loja de móveis e já havia formado a Big Allanbik, quando nosso presidente confiscou nosso dinheiro e a minha loja quebrou. Foi o empurrão que faltava para eu decidir me dedicar integralmente à musica.


Conte-nos sobre o seu encontro com The Wolf e como surgiu a idéia dessa colaboração, o Chrysalis.

Fomos apresentados um ao outro quando de uma das minhas turnês pela Europa, por um DJ Argentino. Desse momento em diante, estabeleceu-se uma grande amizade e afinidade musical. O fruto deste encontro está registrado neste CD.


O que você sentiu ao dividir o palco com uma lenda como B.B. King - e ainda receber elogios dele?

Eu diria que foi um dos momentos máximos da minha carreira, uma emoção incrível. Foi muito difícil segurar a emoção nesse momento.


Quais são as suas maiores influências?

Johnny Winter, Eric Clapton, Buddy Guy, Albert Collins, Freddie King, e mais um monte de negros da antiga.


E atualmente, O que você tem ouvido?

Ian Siegal e Delta Moon.


E os seus próximos projetos? Você já tem algo em mente para o sucessor do Chrysalis?

Sim, já estou gravando um novo álbum, que se chamará Sentenced To Living. Ele será lançado primeiro na Europa e depois por aqui. Assinei com um selo inglês novo, chamado Lightning Fingers. Aliás, essa música que dá título ao CD, é uma parceria minha com o Sérgio Vid. A idéia surgiu quando estávamos trabalhando na homenagem ao Álbum Branco, dos Beatles.


Recentemente, você foi convidado para participar de um projeto sobre o lendário Álbum Branco, dos Beatles. Pode nos falar sobre isso?

É uma tremenda honra participar desse projeto homenageando a mais influente banda de todos os tempos. Eu ouvia Beatles quando ainda não sabia tocar guitarra, então aprender a tocar Beatles agora é uma sensação de redescoberta para mim. Ao meu lado, estará o cantor que é meu amigo Sergio Vid, que foi vocalista do Sangue da Cidade e líder do Vid & Sangue Azul.


E shows?

Acabo de retornar de uma turnê Canadá- EUA. Foi minha primeira vez no Canadá e o sucesso foi incrível, inclusive rendendo convite para retornar em abril de novo para outro tour. Entre essas duas, fora shows pelo Brasil, estarei embarcando quarta feira próxima para um outro tour no Reino Unido.


*Colaborou ELIAS NOGUEIRA