quarta-feira, 19 de maio de 2010

George Michael: o (quase) Rei do Pop



DVD
Live In London (Sony Music)
2010


Resenha originalmente publicada em abril de 2010, no TOM NETO.COM.


Em seu primeiro DVD, cantor mostra que poderia ter ido ainda mais longe – se não fossem os percalços

Em 1987, ao lançar Faith, seu primeiro álbum após o fim do duo Wham!, George Michael simplesmente quebrou tudo. Vendeu quinze milhões de cópias e gerou singles de sucesso como “I Want Your Sex”, “Kissing a Fool” e a faixa-título, entre outros. Foi, provavelmente, a mais séria ameaça ao reinado pop de Michael Jackson. George, entretanto, tinha outros planos para seu segundo disco solo.

Lançado em 1990, Listen Without Prejudice, é um trabalho introspectivo, no qual o artista tentou se desvencilhar da imagem de sex symbol. Tal “insolência” causou insatisfação na sua então gravadora, a Sony Music, e uma ação judicial que deixou o cantor “na geladeira” durante seis anos. Somem-se a isso os recentes escândalos (homos)sexuais, e pode-se ter uma ideia do quão... er, turbulenta tem sido a trajetória de GM.

De modo que o seu primeiro DVD, o duplo Live In London, também disponível em blu-ray – mas não em CD –, acaba colocando as coisas “nos seus devidos lugares”. Gravado nos dias 24 e 25 de agosto de 2008 (!), o espetáculo fez parte da turnê 25 Live – anunciada como a última de sua carreira –, que promoveu a coletênea Twenty Five.

Na arena londrina de Earls Court absolutamente lotada, George Michael, acompanhado de um impecável aparato de som, luzes e telões, resumiu a sua discografia de maneira generosa. E o show começa o pé direito, com a bela “Waiting (Reprise)”: a canção (“Há um caminho de volta para todo homem / Por isso estou aqui (...) / Será tarde demais para tentar de novo? / Aqui estou eu”) é entoada em off até o último verso, quando o cantor faz a sua entrada triunfal.

O repertório incluiu desde hits do Wham! – como “Everything She Wants”, “I'm Your Man” e até o seu maior êxito, a renegada “Careless Whispers”, que ele recusou-se a cantar ao vivo durante anos – até os seus sucessos solo – como “Freedom '90” e “Fastlove”. E não esqueceu (boas) faixas recentes como “Amazing”, “Flawless (Go To The City)” e “My Mother Had a Brother”, que fala sobre o tio de George – também gay –, que suicidou-se exatamente no dia em que ele nasceu.


Em ‘Shoot The Dog’, o momento polêmico do show

Um tanto distante da imagem de galã – não ostenta mais o topete de vinte anos atrás –, George Michael ainda é um grande artista em cima de um palco. Experiente – tinha 45 anos na ocasião da gravação –, teve astúcia para alternar números dançantes, como “Too Funky” e “Outside” – na qual, a exemplo do debochado clipe, vestiu-se de policial –, com momentos mais suaves, como as tristonhas “A Different Corner”, seu primeiro single solo, e “You Have Been Loved”, que mostra no telão imagens de pessoas próximas ao cantor que já faleceram.

Como intérprete, ainda mostra grande competência. Mas claramente passou a evitar os falsetes – outrora uma de suas marcas registradas...

Destaque para a lânguida “Father Figure”, a arrepiante versão gospel de “One More Try” – que já havia sido lançada como lado B de um single em 1996 – e uma versão demolidora de “Spinning The Wheel”, que não deixou pedra sobre pedra. Em “Shoot The Dog”, o momento polêmico do show: um cachorro inflável “vestido” com as cores da bandeira do Reino Unido parece fazer sexo oral em um enorme boneco (igualmente inflável) de George W. Bush...

No DVD 2, há o documentário I'd Know Him a Mile Off, que mostra os bastidores da turnê, além de três faixas bônus: “Precious Box”, “Jesus To A Child” e “First Time Ever”.

Em suma, Live In London é um excelente DVD de um autor pop – digam o que disserem – do calibre de um Elton John. E que faz pensar aonde George Michael poderia ter chegado, se não fossem os... tropeços. Para coroar sua “volta por cima”, falta apenas um álbum de inéditas, o primeiro desde Patience, de 2004. Mas isso talvez seja pedir demais...



Veja os vídeos de “A Different Corner”...



...da versão “gospel” de “One More Try”...



...de “Father Figure”...




...e de “Spinning The Wheel:

Da série ‘Discos para se Ter em Casa’: ‘Songs From The Last Century’, de George Michael


CD
Songs From The Last Century (Virgin)
1999

Originalmente publicado em março de 2010, no TOM NETO.COM.


Na virada do século, cantor arriscou-se em um repertório de ‘standards’. E saiu-se muito bem

Em 1999, George Michael decidiu “se presentear” com um projeto especial: um disco de crooner. E não fez por menos: no repertório de Songs From The Last Century, o cantor inglês reúne, em sua maioria, imorredouros standards norte-americanos. E o que poderia resultar em um desastroso “turismo aprendiz”, acabou rendendo um CD classudo, com um indisfarçável acento jazzístico.

Cantando simplesmente o fino na ocasião, GM não se intimidou diante do risco de reler faixas eternizadas por monstros sagrados como Frank Sinatra e Nina Simone. Aventurou-se, inclusive, em arranjos de big band, como é o caso de “My Baby Just Cares For Me”, “Secret Love” e “Brother Can You Spare A Dime?”. E saiu-se muito bem.

Songs From The Last Century foi produzido pelo experiente Phil Ramone, que já pilotou álbuns de artistas do calibre de Ray Charles, Quincy Jones, Bob Dylan e do já mencionado Sinatra, entre outros. E, com ele, era clara a intenção de George Michael de se distanciar ainda mais da imagem do rebolativo cantor de “Faith”.

Como recomendou o próprio George, no título de seu segundo álbum solo, de 1990: ouça sem preconceito.

‘Brother Can You Spare A Dime?’, ‘Roxanne’ e ‘You've Changed’

Brother Can You Spare A Dime?

Brother Can You Spare A Dime?”, escrita em 1931, foi uma das mais conhecidas canções americanas do período conhecido como “Grande Depressão”, que atingiu o planeta durante a década de 1930.

A letra mostra a visão de um operário que, através de seu trabalho, ajuda a trazer o progresso, mas não usufrui dele: “Certa vez, construí uma ferrovia / fiz com que ela seguisse / fiz com que ela corresse contra o tempo. / Certa vez, construí uma ferrovia / e, agora, ela está feita. / Amigo, pode me arranjar dez centavos?

Bing Crosby, Tom Waits, Barbra Streisand e Tom Jones são alguns dos artistas que já gravaram esta faixa.




Roxanne

Roxanne”, do Police [foto], foi vestida por George Michael com uma roupagem cool jazz. Chet Baker ficaria orgulhoso.

A estória do indivíduo que se apaixona por uma profissional do sexo – e tenta demovê-la da ideia de prosseguir neste ofício – ganhou elegância.

Inclusive, o próprio Sting, autor de “Roxanne”, regravou a canção em seu CD ao vivo ...All This Time, de 2001 – ou seja, dois anos depois de Songs... –, com um arranjo intimista, que, em dado momento, assemelha-se bastante com o de GM [saiba mais aqui].

Curiosidade: no início do vídeo da canção – que pode ser visto logo abaixo –, há a informação que as gravações foram realizadas no bairro de Red Light, em Amsterdã, Holanda, famoso pelo sex trade. E que as pessoas envolvidas na filmagem não eram... er, atores...

Nos créditos, a notícia (verdadeira?) de que a protagonista do clip, Franciska – cujo nome “de guerra” é justamente... “Roxanne” – abandonara as ruas...




You've Changed

You've Changed” foi composta em 1941 e recebeu mais de trinta (!) gravações, de nomes que vão de Nat King Cole a Sarah Vaughan, passando por Marvin Gaye, Joni Mitchell e Diana Ross.

A versão mais conhecida, entretanto, é a de Billie Holliday, de 1958. “Você mudou / Você esqueceu as palavras ‘eu te amo’ / E cada memória que partilhamos / (...) Você não é mais o anjo que um dia conheci”, lamenta a desencantada letra.

‘My Baby Just Cares For Me’, ‘The First Time Ever I Saw Your Face’ e ‘Miss Sarajevo’

My Baby Just Cares For Me

Embora já tenha sido gravada por Mel Tormé, pelo supracitado Nat King Cole e até por Cyndi Lauper (!), a versão mais famosa de “My Baby Just Cares For Me” é a de Nina Simone, de 1958.

Em sua gravação, George Michael deixa no ar uma conotação... er, ambígua: no verso “Liz Taylor não faz o estilo dele / e nem o sorriso de Lana Turner”, troca o nome de Turner pelo de... Ricky Martin...




The First Time Ever I Saw Your Face

The First Time Ever I Saw Your Face” foi composta em 1957. A gravação mais bem sucedida é a de Robert Flack, de 1969: “A primeira vez em que vi o seu rosto / Pensei que o sol raiou em seus olhos. / A lua e as estrelas foram os presentes que você deu/ aos céus escuros e vazios”.

A (ótima) versão de George é provavelmente o momento mais tocante do álbum.




Miss Sarajevo


Miss Sarajevo” foi lançada pelo U2, na companhia do finado Luciano Pavarotti [no detalhe], no projeto especial Passengers: Original Soundtrack I, de 1995. A correta gravação de GM nada acrescenta à colaboração do grupo irlandês com o tenor italiano – embora tenha obtido relativo sucesso radiofônico.

O clipe mistura imagens de belas misses misturadas a cenas de guerra na capital da Bósnia.

‘I Remember You’, ‘Secret Love’ e ‘Wild Is The Wind’

I Remember You

Em 2011, “I Remember You” completará, pasmem, 70 anos de idade (!) – foi composta em 1941. De lá para cá, recebeu inúmeras versões, como a de Ella Fitzgerald e, mais recentemente, da supracitada Diana Krall.

George Michael optou por gravá-la de maneira suave, acompanhado apenas por uma harpa. Ficou bonito.




Secret Love

Escrita em 1953, “Secret Love” foi lançada em single por Doris Day naquele mesmo ano. Desde então, foi gravada por mais de uma dezena de artistas – entre eles, a canadense k. d. lang e Frank Sinatra.

Ao som de metais em brasa para Tony Bennett nenhum colocar defeito, George Michael... brilha. “Certa vez, tive um amor secreto / que vivia dentro de meu coração”, suspiram os ingênuos versos.

Em 1995, “Secret Love” recebeu uma versão em português de Dudu Falcão, chamada “Um Segredo e um Amor”, que foi registrada por Jorge Vercillo para a trilha da novela Cara e Coroa.




Wild Is The Wind

A primeira gravação de “Wild Is The Wind” foi de Johnny Mathis, em 1957, para a trilha sonora do filme homônimo. Em 1966, recebeu uma versão de Nina Simone, considerada a mais bem-sucedida.

A letra é pura paixão: “Você me toca – ouço o som de bandolins / Você me beija – com seu beijo, minha vida começa”.

Curiosidade: David Bowie [foto], fã de Nina, encontrou-se casualmente com a cantora em Los Angeles, na década de 1970. Desse encontro, o cantor inglês teve a ideia de regravar “Wild Is The Wind”. Sua (boa) releitura aparece no álbum Station to Station, de 1976.

‘Where Or When’ e ‘It's Alright With Me’

Where Or When

Where Or When”, de 1937, é uma criação da renomada dupla de compositores Richard Rodgers e Lorenz Hart.

Já foi regravada por mais de oitenta (!) artistas: de Sammy Davies Jr. a Bryan Ferry, passando por Jane Birkin e Ray Conniff, além do já mencionado Frank Sinatra [no detalhe]. Recentemente, recebeu um registro da canadense Diana Krall, em seu ótimo Quiet Nights, lançado no ano passado.

A letra é um tanto... er, mística – fala, de maneira cifrada, de “vidas passadas”: “Algumas coisas que acontecem pela primeira vez / parecem estar acontecendo novamente. / E parece que já nos encontramos antes / e rimos antes / e nos amamos antes / mas quem sabe onde e quando?

Uma faixa simplesmente impecável, digna do melhor do cancioneiro norte-americano. E que George Michael releu com competência.


It's Alright With Me

It's Alright With Me”, de Cole Porter, é a “faixa escondida” do CD – começa quase um minuto após o final de “Where or When”. O curioso é que, em um disco de crooner, ela aparece em uma versão... instrumental.

Bem, ele devia saber o “recado” que queria dar...