sábado, 24 de agosto de 2013

Lulu opta por releituras ‘respeitosas’ das canções do Rei e do Tremendão

Em agosto de 2012, Roberto Carlos visitou o camarim do cantor carioca no show Lulu Canta e Toca Roberto e Erasmo, no Vivo Rio

CD
Lulu Canta e Toca Roberto & Erasmo (Sony Music)
2013


Resenha publicada originalmente em maio de 2013 no TomNeto.com.



Em seu segundo disco, O Ritmo do Momento [1983], Lulu Santos não fez por menos e emplacou logo três sucessos: “Um Certo Alguém”, “Adivinha o Quê?” e a canção que se tornou o seu carro-chefe eterno, o bolero-havaiano “Como uma Onda”. No ano seguinte, com Tudo Azul, consolidou de vez o status de hitmaker, com gemas pop do calibre de “Tão Bem”, “Certas Coisas”, “Lua de Mel” e... “O Calhambeque”, versão de Erasmo Carlos que ficou célebre na voz de Roberto Carlos. Foi também neste álbum que Lulu lançou uma de suas faixas mais emblemáticas, “O Último Romântico” — que fez com que o cantor carioca passasse a ser identificado como “o roqueiro romântico”, “sucessor de Roberto Carlos” e classificações do tipo. Desconfortável com o rótulo, Lulu decidiu “subverter as regras do jogo”: em 1985, lançou o ácido e roqueiro Normal, que acabou não sendo compreendido pelo público e teve pouca repercussão. Mas com o qual o artista logrou a intenção de “desconstruir” a imagem de “romântico”.

No entanto, o mundo gira e a Lusitana roda. E eis que, 28 anos após Normal, Lulu Santos, aos 60 anos de idade e 31 de carreira, finalmente abraça a obra da dupla — que inequivocamente exerceu influência em seu trabalho — no recém-lançado Lulu Canta e Toca Roberto & Erasmo, decorrente do show homônimo que percorreu algumas capitais brasileiras em 2012. 

Se, em 1995, Lulu gravou, na companhia do DJ Marcelo “Memê” Mansur, uma desconcertante versão de “Se Você Pensa”, desta vez optou por uma abordagem “respeitosa” dos clássicos dos autores de “Detalhes”. A capa do CD, na qual o guitarrista veste um terno impecavelmente cortado, dá um indício de seu conteúdo. A própria “Se Você Pensa”, aliás, reaparece “comportada” — mas, ainda assim, emulando, em um determinado momento, o canto falado da versão anterior. 



Apesar da ‘reverência’, pequenas ‘ousadias’ 

Provavelmente recorrendo à sua memória afetiva, Lulu concentrou sua atenção nas canções lançadas até a primeira metade da década de 1970. E, oscilando entre o blues e o rock tradicional, foi feliz na escolha do repertório, que conta com “É Preciso Saber Viver”, “As Curvas da Estrada de Santos”, “Sentado À Beira do Caminho” — a melhor faixa do disco, na qual o cantor não poupou a emoção que a canção pede — e a impagável “Sou uma Criança, Não Entendo Nada”, entre outros. A única exceção — e também a música mais “recente” do álbum — é “Emoções” [1981], que, sinceramente, de tão cristalizada na voz de Roberto, não deveria ser regravada por ninguém...

Apesar da opção por releituras “reverentes” das canções de Roberto e Erasmo, Lulu não deixou de cometer pequenas “ousadias”, como a versão reggae de “Eu te Darei o Céu”, na qual executa boa parte da melodia com sua guitarra. E nas alterações de ritmo de “Quando” e de “Não Vou Ficar” — canção de Tim Maia que, lançada por Roberto Carlos em 1969, abriu portas para o Síndico.

Antes de Lulu Santos, apenas Maria Bethania, há exatos 20 anos — com o ótimo As Canções que Você Fez para Mim — havia recebido a deferência de gravar um álbum inteiro dedicado à obra de Roberto e Erasmo Carlos. E todos os artistas que já tentaram regravar faixas da dupla sabem de toda a “burocracia” envolvida na empreitada. E, embora nenhuma das versões de Lulu supere as originais — convenhamos: abordar clássicos de 40, 50 anos não é exatamente uma tarefa fácil —, Lulu Canta e Toca Roberto & Erasmo não deixa de representar uma lufada de ar fresco em um dos mais importantes cancioneiros nacionais. Trata-se, portanto, de um trabalho digno da discografia do músico carioca. E à altura dos homenageados.




Leia também:





Ouça “As Curvas da Estrada de Santos”, com participação da cantora Késia Estácio...




...e também a bela “Sentado À Beira do Caminho”:

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Descontados pequenos equívocos, Clapton mostra competência como intérprete e arranjador


CD
Old Sock (Universal Music)
2013


Resenha publicada originalmente em abril de 2013 no TomNeto.com.



Do alto de mais de meio século de carreira, Eric Clapton deixou, há muito, de ser “apenas” o segundo maior guitarrista de rock de todos os tempos, perdendo apenas para Jimi Hendrix — e talvez dividindo o posto com o seu colega de Yardbirds, Jimmy Page, ex-Led Zeppelin. Com o passar dos anos, Clapton tornou-se um bom arranjador e um intérprete convincente. Ao longo de sua trajetória, regravou canções de Bob Dylan, Stevie Wonder e até Michael Jackson (!), entre outros. E é justamente esta faceta que God quis evidenciar em 21º trabalho solo, o recém-lançado Old Sock, que chega às prateleiras três anos após o seu disco mais recente, o (bom) Clapton.

O título, Old Sock (“meia velha”) foi inspirado em uma expressão que o músico ouviu recentemente de David Bowie. E remete àquela roupa surrada, mas confortável como nenhuma outra — da qual ninguém gosta de desfazer. Esta é justamente a intenção de Clapton com este álbum: apresentar canções alheias que sempre fizeram parte de sua vida.

A bem da verdade, o disco não começa propriamente inspirado, com “Further Up Down The Road”, do bluesman americano Taj Mahal — e com participação do próprio —, em ritmo de reggae. Mahal, por sinal, também colaborou em duas faixas do CD ao vivo que Clapton dividiu com o saxofonista Winton Marsalis em 2011. A canção seguinte, “Angel”, do parceiro de longa data J. J. Cale, autor de “After Midnight” e do hit “Cocaine” — e que participa da gravação — deixa melhor impressão.

Curiosamente, as duas outras notas dissonantes do disco também estão relacionadas ao reggae: nas releituras “Till Your Well Runs Dry”, de Peter Tosh, e “Your One And Only Man”, soul originalmente gravado por Otis Redding. Clapton, aliás, já foi mais feliz ao se aproximar da música jamaicana — como, por exemplo, na regravação de “I Shot The Sheriff”, de Bob Marley. 

De resto, contudo, Old Sock coleciona acertos.



Ao lado de Paul McCartney, Clapton brilha em ‘All Of Me’

Mostrando versatilidade, Clapton se aventura pelo country — “Born To Lose” e o clássico “Goodnight Irene”— e regrava, na companhia de Stevie Winwood no órgão Hammond, “Still Got The Blues”, o maior sucesso solo do ex-guitarrista do Thin Lizzy, Gary Moore, falecido em 2011. A exemplo do que fizera em seu álbum anterior, Clapton volta a resgatar standards como “The Folks Who Live On The Hill” e a magistral “Our Love Is Here To Stay”, de George Gershwin, que fecha o álbum.

A cereja do bolo, entretanto, é “All Of Me”. Retribuindo a “canja” que Clapton deu em duas faixas de seu mais recente trabalho, o ótimo Kisses On The Bottom [2012], Paul McCartney assume o baixo e os backing vocais do clássico norte-americano, em uma versão simplesmente irretocável. E, no sentido de evitar que o disco soasse exclusivamente revisionista, EC incluiu duas inéditas: “Every Little Thing” e a ensolarada “Gotta Get Over”, com participação de Chaka Khan nos vocais.

O íntimo e despretensioso Old Sock provavelmente não figurará na galeria de títulos essenciais da discografia de Eric Clapton. No entanto, descontados os pequenos equívocos, trata-se de álbum marcado pela competência de um músico de múltiplos talentos. E de audição extremamente agradável.



Leia também:








Ouça “Gotta Get Over”, uma das duas inéditas de Old Sock...






...e a versão do standardAll Of Me”, com Paul McCartney no baixo e nos backing vocais:

Esbanjando técnica, Biglione relê, ao vivo, Jobim, Bonfá e Charlie Parker


CD
The Gentle Rain — Victor Biglione Trio ao Vivo (Rob Digital)
2013


Resenha publicada originalmente em abril de 2013 no TomNeto.com.



Ao longo de sua (extensa) carreira, o guitarrista argentino-praticamente-carioca Victor Biglione gravou ao lado de nomes como Cássia Eller, Marcos Valle, Wagner Tiso e o ex-Police, Andy Summers, entre outros. E acaba de lançar o seu trigésimo (!) disco solo, The Gentle Rain, gravado ao vivo.

(Bem) acompanhado por Sérgio Barrozo (baixo acústico) e André Tandeta (bateria), Biglione esbanja técnica em oito fonogramas gravados durante apresentações entre 2000 e 2010 em solo carioca. Com acentuado toque jazzístico, The Gentle Rain apresenta clássicos como “Take Five”, de Paul Desmond, e “Au Privave”, de Charlie “Bird” Parker, além de “Batida Diferente”, de Durval Ferreira e Mauricio Einhorn. 

A faixa-título, composta por Luís Bonfá — parceiro de Antonio Carlos Jobim em “Correnteza” —, foi a música-tema do filme homônimo [1966], que, desde então, recebeu versões de Diana Krall e Tony Bennett, entre outros. O mencionado Jobim, aliás, é o autor mais evidente do álbum — presente em três faixas do trabalho: “Por Causa de Você” (composto com Dolores Duran), “Eu Sei que Vou te Amar” (com letra de Vinícius de Moraes) e “Wave”.

Curiosamente, a capa de The Gentle Rain foi concebida por um artista que, a exemplo de Biglione, também é radicado há muito anos no Rio de Janeiro: o cartunista uruguaio Lan.



Ouça a versão de “Wave” do Victor Biglione Trio:


Livro mostra que Victor Biglione já é ‘de casa’

Livro
O Guitarrista Victor Biglione & a MPB, de Euclides Amaral (Esteio Editora)
2011/2013


Resenha publicada originalmente em abril de 2013 no TomNeto.com.



Residente no Rio de Janeiro há meio século, Victor Biglione tem a sua proximidade com a música brasileira destrinchada em O Guitarrista Victor Biglione & a MPB, escrito por Euclides Amaral. Com prefácio do compositor Sérgio Natureza e nota do pesquisador Ricardo Cravo Albim, o livro foi editado originalmente em 2011 e recebe agora uma versão revista e ampliada.

Minucioso, Amaral refaz, em 221 páginas amplamente ilustradas — com fotos e partituras —, toda a trajetória profissional de Biglione, nascido em Buenos Aires e torcedor do San Lorenzo, o mesmo time do Papa Francisco I.

Antes de vir para o Rio — onde se estabeleceu em definitivo —, a família Biglione deixou a capital argentina para morar em São Paulo. Mais tarde, o músico transferiu-se para os Estados Unidos, para estudar na Universidade de Berklee, levando debaixo do braço uma carta de recomendação assinada por um certo... Antonio Carlos Jobim.

De volta ao Brasil, o guitarrista passou a acompanhar, em estúdio e apresentações ao vivo, nomes como Chico Buarque, Gilberto Gil, Maria Bethania, Gal Costa e Djavan, entre outros. O Guitarrista Victor Biglione & a MPB não deixa dúvidas: o músico estrangeiro com mais colaborações em shows e gravações de artistas brasileiros já é, definitivamente, “de casa”.