terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Milton Nascimento 'for export'

CD
Belmondo et Milton Nascimento (Discograph, importado)
2008


Resenha publicada originalmente no jornal IM - INTERNATIONAL MAGAZINE, edição nº 146 (outubro de 2008).


Na companhia da dupla francesa Belmondo, cantor revisita seus clássicos sob uma formatação jazzística

Duas notícias boas sobre Milton Nascimento. E uma ruim. Comecemos pelas boas. A primeira: o cantor encontra-se em uma fase bastante prolífica. Depois de lançar o bom Novas Bossas, gravado na companhia do Jobim Trio, eis que surge mais um álbum do artista esse ano. Trata-se de Belmondo et Milton Nascimento, gravado com a colaboração da homônima dupla francesa.

O Belmondo, bastante conceituado no circuito parisiense de jazz, é formado pelos irmãos Lionel, sax e clarinete, e Stéphane Belmondo, trompete. Acompanhados pela Orchestre National d'Ile-de-France (regida pelo maestro Christophe Mangou), Milton e o duo conduzem as canções de Bituca – dono de uma obra que dispensa comentários – para o universo jazzístico, com longas passagens instrumentais típicas do gênero. “Milagres dos Peixes”, por exemplo, ficou ótima.

Aí vem a segunda notícia boa: a despeito de não apresentar nenhuma novidade no repertório – será que alguém se importa com isso? – o disco é muito, muito bom. Sob os sopros dos irmãos franceses, brilham as soberbas melodias de Milton, como “Ponta de Areia”, que inicia e encerra o álbum.


Sonoridade remete a 'Travessia', primeiro disco de Milton

A ótima versão de “Nada Será como Antes” emula o arranjo concebido pelo grupo Som Imaginário na gravação original, presente na obra-prima Clube da Esquina, de 1972. E ainda que, eventualmente, a voz de Milton não apresente o viço de outrora – seja por razões etárias ou por causa da diabetes – uma coisa é certa: é sempre Milton. E isso fica claro, por exemplo, nos vocalises do cantor na sinuosa “Berceuse/Malilia”.

Curiosamente, Belmondo et Milton Nascimento remete de imediato à sonoridade – cortesia do Tamba 4, de Luizinho Eça – de Travessia, de 1967, primeiro disco de Bituca. Por coincidência (ou não), três músicas daquele trabalho foram revistas nesse álbum: o clássico “Travessia” e as belíssimas “Canção do Sal” e “Morro Velho”.

Os leitores mais atentos devem ter observado que, depois das duas boas notícias, ainda resta a ruim, certo? Bem, é que esse trabalho foi editado apenas na França, pelo selo Discograph, e não tem previsão de lançamento no Brasil. Mesmo assim, não há motivo para aflição. Afinal, várias... hum, “lojas virtuais” já dispõem desse trabalho.

Basta saber procurar.



Veja o vídeo da ancestral - e ainda comovente - “Travessia”, com Milton Nascimento e Stéphane Belmondo, metade do duo francês Belmondo. Gravado no dia 09 de julho de 2008.

Roberto Carlos: de volta ao mercado latino


CD
En Vivo (Sony & BMG)
2008


Resenha publicada originalmente no jornal IM - INTERNATIONAL MAGAZINE, edição nº 146 (outubro de 2008).



'Roberto Carlos En Vivo' registra a apresentação realizada em Miami na qual o Rei retomou a sua carreira internacional

Com lançamento em CD e DVD previsto inicialmente para dezembro de 2007 – quando o Rei surpreendeu a todos por não ter lançado, pela primeira vez em quatro décadas, o seu tradicional disco de final de ano –, somente agora chega às prateleiras Roberto Carlos En Vivo (Sony & BMG). Contudo, somente em versão áudio, a princípio. O DVD será editado agora em setembro.

Gravado nos dias 24 e 25 de maio de 2007, no Ziff Opera House, em Miami, En Vivo registra a retomada da carreira internacional de Roberto Carlos, paralisada durante praticamente uma década. No repertório, sucessos do cantor, em sua maioria vertidos para o idioma de Cervantes, como “Emociones (Emoções)”, a bela “Que Será De Ti (Como Vai Você?)” e “Propuesta (Proposta)”, entre outros, além da célebre “El Día Que Me Quieras”, de Carlos Gardel, em uma versão realmente emocionante.

Para delírio da platéia – que provavelmente incluiu brasileiros residentes nos EUA -, duas versões eram bilíngües: “Detalles (Detalhes)” e a tocante “La Distancia (A Distância)”. Em bom português, somente “O Calhambeque (Road Hog)”, “Jesus Cristo” e a delicada “Acróstico”, música de Pra Sempre, de 2003, último CD de inéditas de Roberto.

A lamentar, o fato de ter sido excluída a versão do cantor para “Aquarela do Brasil”, clássico de Ary Barroso, o chamado “hino nacional extra-oficial”, que foi cantada por Roberto no show.

Ainda que, aos 67 anos, o Rei continue cantando o fino, com emissão e afinação simplesmente perfeitas, Roberto Carlos En Vivo pode ser considerado um trabalho majoritariamente documental. Aos fãs, resta aguardar um novo disco de inéditas, visto que o cantor completará 50 anos de carreira fonográfica em 2009. Ou, quem sabe, o registro em DVD das três históricas apresentações realizadas em agosto – duas em São Paulo e uma no Rio – ao lado de Caetano Veloso no Tributo a Tom Jobim, como parte das comemorações do meio século da bossa nova.

É esperar para ver.



Veja o vídeo da tocante versão do Rei para o clássico de Carlos Gardel, "El Día que me Queiras". Gravado no Ziff Opera House, em Miami.

Cazuza: até que enfim



DVD
Pra Sempre (Universal Music/Globo Marcas)
2008

Resenha publicada originalmente no jornal IM - INTERNATIONAL MAGAZINE, edição nº 145 (setembro de 2008).




Finalmente chega ao mercado 'Pra Sempre Cazuza', o primeiro DVD da carreira solo do ex-vocalista do Barão Vermelho

Praticamente um ano após o lançamento da dobradinha CD/DVD Rock In Rio 1985, que registrava o antológico show do Barão Vermelho, ainda com Cazuza, naquele festival, chega às lojas o primeiro DVD da carreira solo do Exagerado. Pra Sempre é uma parceria da Universal Music com a Globo Marcas.

O audiovisual se divide em duas partes: as três canções que Cazuza apresentou no extinto programa “jovem” global Mixto Quente (o cartão-de-visitas “Exagerado”, a ótima “Medieval II” e “Por que a Gente é Assim?”, faixa de Maior Abandonado, o último álbum que ele gravou como vocalista do Barão); e o especial Uma Prova de Amor, exibido pela Rede Globo no finalzinho de 1988, que, no ano seguinte, virou um VHS intitulado O Tempo Não Pára.

Gravado no Teatro Fênix, no Rio de Janeiro, Uma Prova de Amor (o supra-sumo desse DVD) é, na verdade, uma apresentação do show Ideologia, que foi a última – e definitiva – turnê do cantor. Em 1989, a temporada realizada no Canecão acabou se transformando no álbum Cazuza ao Vivo – O Tempo não Pára, o título de maior êxito comercial do poeta.

Com produção impecável de Ney Matogrosso, Ideologia passou pelas principais capitais brasileiras naquele ano, tornando-se rapidamente sucesso de público e crítica. Ciente da gravidade de sua doença, Cazuza quis “se despedir” em grande estilo. E assim o fez. Apesar de fisicamente frágil, o artista, inteiramente vestido de branco, arrebatou a platéia com um repertório irrepreensível.


Os duetos do DVD são um atrativo a mais

O primeiro número do espetáculo era “Vida Louca Vida”, parceria de Lobão e Bernardo Vilhena, originalmente lançada em Vida Bandida (1987). Diferentemente da gravação “irada” de Lobão, a canção recebeu de Cazuza uma versão cuja letra – por sinal, bastante condizente com o momento que ele atravessava – era quase recitada pelo poeta: “Vida, louca vida, vida breve / já que eu não posso te levar / quero que você me leve. / Vida, louca vida, vida imensa / ninguém vai nos perdoar / nosso crime não compensa”. Tiro e queda.

O show prossegue com “Boas Novas” (“Eu vi a cara da morte / e ela estava viva”), a pop “O Nosso Amor a Gente Inventa” e a emblemática “O Tempo não Pára”, entre outras. O especial de TV ainda contou com duetos que são um atrativo a mais.

Ao lado do anfitrião, Frejat e Sandra de Sá brilham em versões arrasadoras de “Ideologia” e “Blues da Piedade”, respectivamente. Gal Costa revive no palco o seu rascante – e bem-sucedido – registro de “Brasil”. E Simone, visivelmente emocionada, comove na leitura delicada de “Codinome Beija-Flor”.

Destaque também para “Todo Amor que Houver nessa Vida”, originalmente um rock do primeiro disco do Barão Vermelho, aqui presente em uma bela versão MPBística com acompanhamento de piano e harmônica. E, claro, para “Preciso Dizer que te Amo”, que jamais teve uma versão em estúdio do autor.


Os seis álbuns do artista serão relançados em uma caixa ainda esse ano

Nos extras, depoimentos de Caetano Veloso, além dos já mencionados Ney Matogrosso, Simone e Sandra de Sá, todos igualmente extraídos do especial Uma Prova de Amor, e os clipes de “Faz Parte do meu Show” e “O Mundo é um Moinho”, de Cartola – ambos do tempo em que a MTV ainda não havia chegado ao Brasil, e os clipes dos principais artistas nacionais eram produzidos pelo... Fantástico (!).

A lamentar, além do áudio 2.0, também a ausência – provavelmente por uma questão de (falta de) espaço – de duas faixas que integravam o supracitado VHS O Tempo Não Pára: o blues “Vida Fácil” e a impressionista “A Orelha de Eurídice”. E também a péssima qualidade de som de uma entrevista de Cazuza, circa 1985, também presente nos extras.

Apesar dos pequenos equívocos, Pra Sempre preenche uma grande lacuna na obra daquele que certamente foi um dos mais notáveis expoentes não apenas do BRock – mas da música brasileira. Se você é fã, compre ontem.


P.S.: a Universal prometeu relançar ainda esse ano, em um box, os seis álbuns solo de Cazuza. Para ficar completo, só iria faltar o DVD com o show da turnê do segundo disco do artista, Só se For A Dois, gravado no Teatro Ipanema, e exibido pela extinta TV Manchete em 1987. A versão áudio foi editada em 2005, no CD O Poeta Está Vivo. E o vídeo circula livremente pela internet...



Veja o vídeo da versão de Cazuza para “Vida Louca Vida”, de Lobão e Bernardo Vilhena.