domingo, 11 de dezembro de 2011

Stevie Wonder e a música brasileira


Originalmente publicado em outubro de 2011 no TomNeto.com.


No momento em que Stevie Wonder [no detalhe] incluiu “Garota de Ipanema” no roteiro de sua recente apresentação no Rock In Rio, muitos podem ter pensado que tratava-se de mais um exemplo de “gringo fazendo média” — quando, na verdade, não é nenhum pecado que um músico estrangeiro tenha um gesto de “simpatia” para com a cultura de um país em que esteja visitando.

(Ainda que, em alguns casos, seja pura demagogia mesmo...)

Wonder, entretanto, possui uma ligação antiga com a música brasileira — tendo, inclusive, participado de trabalhos de artistas nacionais como Djavan e Sérgio Mendes [saiba mais aqui].

Em seu álbum Live, de 1970, Stevie gravou uma versão em inglês de Sergio Mendes — de quem é amigo de longa data — para “Sá Marina”, de Antônio Adolfo e Tibério Gaspar, sucesso na voz de Wilson Simonal.


Ouça “Pretty World (Sá Marina):



No ano seguinte, SW visitou o Brasil pela primeira vez, para uma pequena apresentação. Na ocasião, o samba “Você Abusou”, da dupla Antônio Carlos & Jocafi, fazia um estrondoso sucesso que, posteriormente, atravessaria fronteiras — a música foi gravada até em francês (!).

Eventualmente, Stevie a incluí no roteiro de seus shows. Foi assim em 1995, quando trouxe a sua turnê Conversation Peace para o Free Jazz Festival. E voltou a acontecer agora, no Rock In Rio, como música incidental em “Garota de Ipanema”.






Em 1973, Wonder compôs uma canção inspirada no modo “cuca fresca” do povo brasileiro: a arrasadora “Don't Worry 'Bout a Thing”, lançada originalmente no (excelente) Innervisions.


Veja o vídeo de “Don't Worry 'Bout a Thing”, extraído do (estupendo) DVD Live At Last, de 2009:


Por fim, em seu mais recente álbum de estúdio, A Time To Love [2005], a influência brasileira se faz presente na swingada — e praticamente desconhecida — “Sweetest Somebody I Know”, cuja melodia, em alguns momentos, se assemelha a... “Samba de Uma Nota Só”, clássico de Antonio Carlos Jobim e Newton Mendonça.



Ouça “Sweetest Somebody I Know:

Jefferson Gonçalves: a harmônica com ‘sotaque’ brasileiro

CD
Encruzilhada (independente, com distribuição via Sony Music)
2011


Originalmente publicado em outubro de 2011 no TomNeto.com.


Músico leva a harmônica para além dos limites do blues

Com de 20 anos de carreira – tendo gravado com nomes como Belchior, Celso Blues Boy, Norton Buffalo, Peter Madcat & Eddie Clearwater, entre outros – o gaitista Jefferson Gonçalves chega ao seu quarto CD solo. 

Produzido pelo próprio Jefferson e gravado de forma independente – com distribuição via Sony Music –, Encruzilhada [no detalhe, a capa] apresenta em sua maioria, temas inéditos, compostos por Gonçalves e parceiros.  

Instrumento normalmente associado ao blues, a harmônica alça voos mais altos nas mãos de Jefferson. Há um “sotaque” brasileiro — ou, para ser mais exato, nordestino — ao longo do álbum. A faixa-título, que abre os trabalhos, é um insuspeitado... baião (!). O mesmo vale para “Tudo Azul”, do flautista Carlos Malta, além das autorais “Na Hora” e “Arrumando a Casa”.

Na seara de covers, JG vai de “Catfish Blues”, do mestre Muddy Waters, “Long Hard Blues”, parceria de Roy Rogers com o supracitado Norton Buffalo, e “Down In Mississipi”, da cantora gospel Mavis Stapples.

A harmônica de Stevie Wonder em canções de outros artistas


Originalmente publicado em setembro de 2011 no TomNeto.com.


Stevie Wonder, que se apresentará amanhã no Rock In Rio, é um artista cuja trajetória é absolutamente singular. 

Assinou seu primeiro contrato com uma gravadora, a Motown, aos 11 (!) anos de idade. Em sua discografia, encontram-se álbuns essenciais como Talking Book [1972], Innervisions [1973], Fulfillingness' First Finale [1974] e, em especial, Songs In The Key Of Life [1976]. Aos 61 anos, com mais de trinta hits no currículo, é o artista masculino que mais ganhou prêmios Grammy — 25 ao todo. Nada disso, entretanto, é novidade para ninguém.

O que talvez nem todos saibam é que, não bastasse o soberbo cantor e compositor que sempre foi, Stevie — a despeito da deficiência visual de nascença —, é um multi-instrumentista, gravando várias de suas faixas praticamente sozinho (!).

Contudo, apesar de dominar piano, baixo e até... bateria, Wonder é mais identificado pelo público por um instrumento em especial: a harmônica [no detalhe].

Além de estar presente em vários de seus clássicos como “Isn't She Lovely”, “Send One Your Love”, “From The Bottom Of My Heart” e “For Once In My Life”, a gaita de Stevie Wonder também aparece em sucessos de outros artistas.

Confiram alguns exemplos:


Gravado em Los Angeles, Luz, quinto álbum de Djavan, conta com a participação da inconfundível harmônica de Stevie Wonder em “Samurai”. Anos depois, em entrevista a Jô Soares, o cantor alagoano fez uma curiosa observação sobre seu convidado: “Ele tem uma bunda enorme”:



No ano seguinte, Wonder emprestou sua gaita à belíssima “I Guess That's Why They Call It The Blues”, lançada por Sir Elton John em seu álbum Too Low For Zero:




Em 1984, Stevie colaborou com Chaka Khan, em sua incendiária releitura de “I Feel For You”, uma das mais infalíveis faixas para pista já gravadas. A versão original, que o autor Prince, lançou em seu segundo disco, epônimo, de 1979, não chega nem perto...




Faixa do álbum Be Yourself Tonight [1985], do extinto duo Eurythmics, a bela melodia “There Must Be An Angel (Playing With My Heart)”, não poderia encontrar, além da voz cristalina de Annie Lennox, um adorno mais apropriado do que a harmônica de SW:




Stevie Wonder também participa da regravação da imortal “As Time Goes By”, que Carly Simon incluiu em seu Coming Around Again, de 1987:




Em Duets II, de 1996, derradeiro trabalho de Frank Sinatra, Stevie acompanhou o anfitrião e Gladys Knight em uma canção que fez muito sucesso em sua voz: “For Once In My Life:




Por considerá-la um tanto parecida com o antigo sucesso “I Was Made To Love Her”, Sting — fã confesso de Wonder — convidou-o para tocar gaita na esperançosa “Brand New Day”, faixa-título do álbum que o ex-Police editou em 1999. Em vídeo extraído do DVD Live At Universal Amphitheatre, daquele mesmo ano, a entrada-surpresa de SW causou enorme frisson na plateia. E vale a pena observar também a reação de Sting: terminada a canção, Stevie vai deixando o palco e o baixista observa, em silêncio, com as mãos juntas — como se estivesse rezando. Segundos depois, com a voz calma, diz, simplesmente: “Stevie Wonder”. Então, olha para o alto e completa a frase: “Um ser elevado”:




Stevie Wonder também participou — brilhantemente, diga-se de passagem — da dobradinha* “Berimbau/Consolação”, de Baden Powell e Vinicius de Moraes, gravada por Gracinha Leporace em Timeless, álbum lançado por seu marido, Sérgio Mendes, em 2006. Wonder e Mendes, aliás, são amigos de longa data:

* Dedico esta canção ao pequeno capoerista aqui de casa.