sábado, 20 de abril de 2013

Roberto Carlos, ‘o cara’


Resenha de show
Data: 14 de dezembro de 2012
Local: Ginásio do Maracanãzinho — Rio de Janeiro


Originalmente publicado no TomNeto.com em dezembro de 2012.




Orgulhoso de seu passado, mas olhando para a frente, RC já entra no palco com ‘o jogo ganho’

Eventualmente, Roberto Carlos é “acusado” de fazer, há décadas, “o mesmo show”, com “as mesmas músicas”. Uma análise mais atenta desmonta completamente essa teoria. Foi, aliás, o que RC provou, mais uma vez, diante de 11 mil pessoas, na apresentação realizada na noite de sexta-feira, 14, no ginásio do Maracanãzinho, no Rio de Janeiro.

É bem verdade que, há muitos anos, o cantor faz a sua (triunfal) entrada no palco ao som de “Emoções”. Entretanto, o fato é que, por mais que o espectador já tenha visto dezenas de vezes, a cena é sempre impactante. Sempre. Os passos lentos. O sorriso aberto. O gesto de reverência à plateia. Enfim, no momento em que Roberto se aproxima do pedestal do microfone para cantar o primeiro verso (“Quando eu estou aqui / eu vivo esse momento lindo”) já está com o público na mão, apesar de quase uma hora e meia de atraso, devido a uma gravação para o Domingão do Faustão. Humilde, pediu “perdão” aos presentes e agradeceu pela paciência. Mas frisou, bem-humorado: “Não foi por minha culpa!”.

Assim como “Emoções”, duas que jamais estão ausentes do repertório dos shows do artista são “Detalhes” — em uma versão que começa com RC sozinho ao violão — e, sendo o homem de fé que sempre foi, “Jesus Cristo”, com seus “metais em brasa”, que encerra o show. Fica a pergunta: as pessoas que apreciam o seu trabalho conseguiriam conceber uma apresentação de Roberto sem estas três canções? Ou um show de Paul McCartney sem “Band On The Run”, “Hey Jude” e “Yesterday”? Ou um espectáculo dos Rolling Stones sem “Start Me Up”, “Brown Sugar” e “Jumpin' Jack Flash”? 

Esta é a questão.

Além das três citadas, existem outras que foram retomadas por Roberto Carlos há cerca de dez anos e que não saíram mais do seu set list. É o caso de “Além do Horizonte”, agora com claros ecos de bossa nova — diferentemente da versão original, de 1975, que flertava despudoradamente com o samba-rock. E também a pulsante versão de “Eu te Amo, te Amo, te Amo”, a infalível “Como É Grande o meu Amor por Você” e a homenagem de “Mulher Pequena”, que está longe de ser um de seus clássicos, mas é recebida com respeito pelo público — que sabe muito bem o que esta música significa para o cantor. 

Enfim, excluindo as canções “cativas”, várias músicas foram excluídas do roteiro. É o caso de “Amor Perfeito”, “É Preciso Saber Viver” e “Outra Vez”, entre outras. No lugar destas, entraram “Lady Laura” — em memória da mãe de Roberto, que faleceu em 2010 —, “Cama e Mesa”, a belíssima “Nossa Senhora”, “Desabafo” e a sentida “O Portão”.

O que prova que, ao seu estilo ponderado e criterioso de trabalhar — e, claro, sem mexer naquelas que não pode deixar de cantar —, Roberto Carlos altera com frequência o seu repertório, sim.



A versão eletrônica de ‘Fera Ferida’

Por sinal, apesar de (merecidamente) orgulhoso da sua obra que construiu ao lado de Erasmo Carlos, RC aparenta estar interessado em olhar para a frente. Não deixou de cantar “Furdúncio”, o seu (surpreendente) funk melody (!) lançado este ano. E revelou, no palco, que lançará, em 2013, um CD chamado Reimixes, no qual vários Djs irão “desconstruir” algumas de suas canções. E chamou ao palco o DJ Marcelo “Memê” Mansur para que o acompanhar em uma versão de “Fera Ferida” que empolgou o Maracanãzinho. Ver Roberto Carlos cantando sobre a base eletrônica de Memê foi simplesmente... de cair o queixo. “Nunca imaginei que, um dia, alguém faria algo assim com a minha música”, contou, sorrindo. Ah, esteja certo ninguém imaginaria, Roberto — e, principalmente, que você concordaria com a ideia.

Apesar da excelente resposta da plateia para “Fera Ferida”, a canção mais aplaudida da noite foi, sem dúvida alguma, “Esse Cara Sou Eu”, a primeira faixa inédita de Roberto em três anos. Música-tema do casal protagonista da novela Salve Jorge, “Esse Cara...” foi precedida por uma explicação do autor sobre a sua gênese. E interpretada de modo... impecável. Apesar de lançada em novembro, pode ser considerada a música do ano de 2012. O que confirma que “quem é Rei”... bem, vocês sabem.

Vale destacar um momento extra-musical: excepcionalmente, foram colocados à venda ingressos mais baratos, em um setor batizado de “arquibancada visão parcial” — à direita e à esquerda —, no qual o cantor era visto apenas de lado, quase de costas. Sabendo disso, RC, ao longo do show, inúmeras vezes cantou olhando para as pessoas situadas nesta direção — que deliravam. Exemplo de grandeza e sensibilidade de um artista ciente da dificuldade enfrentada por parte significativa de seu público para vê-lo ao vivo.

Aos 71 anos, com a voz nos conformes e ótima aparência — durante as músicas sensuais, como “Os Seus Botões” e “O Côncavo e O Convexo”, ele abusa do gestual e arranca gritinhos da plateia feminina —, Roberto Carlos finalmente assumiu: ele é realmente “o cara”.




Repertório:

* Overture
* Emoções (Roberto Carlos — Erasmo Carlos, 1981)
* Eu te Amo, te Amo, te Amo (Roberto Carlos — Erasmo Carlos, 1968)
* Além do Horizonte (Roberto Carlos — Erasmo Carlos, 1975)
* Cama e Mesa (Roberto Carlos — Erasmo Carlos, 1981)
* Detalhes (Roberto Carlos — Erasmo Carlos, 1971)
* Desabafo (Roberto Carlos — Erasmo Carlos, 1979)
* O Portão (Roberto Carlos — Erasmo Carlos, 1974)
* Lady Laura (Roberto Carlos — Erasmo Carlos, 1979)
* Nossa Senhora (Roberto Carlos — Erasmo Carlos, 1993)
* Mulher Pequena (Roberto Carlos — Erasmo Carlos, 1992)
* Fera Ferida (com participação do DJ Marcelo “Memê” Mansur) (Roberto Carlos — Erasmo Carlos, 1982)
* Medley, com texto de Ronaldo Bôscoli (1928 — 1994): Seu Corpo (Roberto Carlos — Erasmo Carlos, 1975) / Café da Manhã (Roberto Carlos — Erasmo Carlos, 1978) / Os Seus Botões (Roberto Carlos — Erasmo Carlos, 1976) / Falando Sério (Maurício Duboc — Carlos Colla, 1977) / O Côncavo e o Convexo (Roberto Carlos — Erasmo Carlos, 1983)
* Esse Cara Sou Eu (Roberto Carlos, 2012)
* Furdúncio (Roberto Carlos — Erasmo Carlos, 2012)
* Medley: É Proibido Fumar (Roberto Carlos — Erasmo Carlos, 1964) / Namoradinha de um Amigo Meu (Roberto Carlos, 1966) / Quando (Roberto Carlos, 1967) / E Por Isso Estou Aqui (Roberto Carlos, 1967) / Jovens Tardes de Domingo (Roberto Carlos — Erasmo Carlos, 1977) / Emoções (Roberto Carlos — Erasmo Carlos, 1981)
* Como É Grande o Meu Amor por Você (Roberto Carlos, 1967)
* Jesus Cristo (Roberto Carlos — Erasmo Carlos, 1970)

sábado, 13 de abril de 2013

‘Celebration Day’: a ‘enciclopédia do rock’ do Led Zeppelin



DVD/CD/Blu-Ray
Celebration Day (Warner)
2012


Originalmente publicada no TomNeto.com em dezembro de 2012.



No dia 10 de dezembro de 2007, os três sobreviventes do Led Zeppelin — Jimmy Page, Robert Plant e John Paul Jones — reuniram-se para uma única apresentação, em memória do turco Ahmet Ertegun, fundador e presidente da Atlantic Records, na qual o quarteto gravou seus primeiros álbuns. E somente agora, cinco anos depois (!), o concerto realizado na arena O2, em Londres, diante de 18 mil sortudos — que esgotaram os ingressos em questão de horas — é lançado em CD, DVD e Blu-Ray, com o título de Celebration Day.

Nos primeiros momentos do audiovisual, que foi exibido recentemente nas salas de cinema, alguns detalhes saltam aos olhos e ouvidos. Jimmy Page, ao invés das madeixas negras de outrora, ostenta cabelos que mais se assemelham a flocos de algodão. John Paul Jones, hoje um senhor de idade, abandonou a longa cabeleira e usa atualmente um penteado “comportado”. Já Robert Plant, embora tenha aderido ao cavanhaque, conserva os cachos dourados e o carisma que ajudaram a torná-lo famoso. Sua voz, entretanto — embora dê conta do recado —, já não possui o viço e o alcance dos áureos tempos. E, nas baquetas, no lugar do finado John “Bonzo” Bonham, estava o seu filho, Jason. 

Esses pormenores, no entanto, são irrelevantes. Nos acordes iniciais da bombástica “Good Times, Bad Times”, que abre o espetáculo, não resta a menor dúvida: é o Led Zeppelin, monstruoso — na melhor acepção da palavra — que está ali, em carne e osso, com a técnica instrumental de sempre. Apenas os quatro no palco. 

E é mais do que o suficiente.



Em 2007, Page lamentou que a banda não tenha entrado em turnê

Em duas horas — até o grand finale, com Rock And Roll, o grupo faz um resumo de sua (brilhante) obra, sem poupar cavalos-de-batalha como “Whole Lotta Love” e “Black Dog”, entre outros. E não deixa pedra sobre pedra. “Stairway To Heaven”, obviamente, não ficou de fora — por sinal, no seu (inacreditável) solo de guitarra, Page periga fazer com que muito marmanjo vá às lágrimas.

Além dos clássicos, destaque para a sequência de blues, na qual a banda enfileirou “In My Time Of Dying”, “Trampled Under Foot”, “Nobody s Fault But Mine”, “No Quarter”, “Since I ve Been Loving You” e “Dazed And Confused”, em execuções simplesmente demolidoras. 

Vale destacar também a performance de Jason Bonham — que, decididamente, não ocupou o posto de seu pai apenas por uma questão de DNA. O cidadão, de fato, toca muito — no final de “Kashmir”, por exemplo, ele rouba a cena. E, ao longo da apresentação, recebeu o afeto dos três veteranos, que voltavam-se para ele a todo momento. 

Diferentemente da reunião do Police, em 2007, na qual Sting, Andy Summers e Stewart Copeland não conseguiam disfarçar no palco a falta de intimidade entre eles — provavelmente por resquícios dos conflitos do passado —, os integrantes do Led Zeppelin interagiram o tempo todo, sorrindo em vários momentos. Pareciam estar ali por puro prazer, orgulhosos daquele momento. E de sua trajetória como um todo.

Em entrevista recente, Jimmy Page revelou o seu desapontamento pelo fato de a banda não ter entrado em turnê após o concerto de 2007. É realmente de se lamentar. Entretanto, apesar de meia década de atraso, Celebration Day lega para a eternidade um registro essencial não apenas da história do Led Zeppelin, mas do próprio rock'n'roll. Aliás, para quem desconhece o gênero e tem curiosidade em descobrir, trata-se de uma verdadeira enciclopédia.

Resumindo: compre ontem. E assista de joelhos.




Veja o vídeo de “Black Dog...





...e de “Kashmir”, na qual o baterista Jason Bonham simplesmente “quebra tudo”: