quinta-feira, 29 de abril de 2010

Lobão: minha primeira resenha



Resenha originalmente publicada em março de 2010 no
TOM NETO.COM.


O ano era 1992. Eu estava concluindo o Ensino Médio, ainda sem saber o que fazer da vida. Mas já gostava (muito) de música naquela época. Aliás, meu interesse pelo assunto surgiu no tempo das fraldas...


Até que, uma bela manhã, abri o jornal. E vi uma nota sobre um show que Lobão faria, naquele mesmo dia, na Concha Acústica da UERJ. Entrada franca. “Estou dentro!”, pensei.

Na volta para casa, tive um impulso de... escrever a resenha da apresentação – que, permaneceu inédita até o prezado momento. Não me perguntem por que fiz isso – até hoje, não saberia responder.

Creio que, por não ter levado a máquina fotográfica, quisesse “registrar” aquele evento de alguma forma. O mais curioso é que, naquele instante, jamais me passava pela cabeça me envolver algum dia com jornalismo musical.

De 1993 para cá, muita coisa aconteceu. Tanto na carreira de Lobão quanto na minha vida. Portanto, a matéria em questão está sendo publicada aqui apenas à guisa de curiosidade. E (quase) sem edição...



Show
Projeto Brahma – O Primeiro do Meio-dia
Lobão, Boca Livre e Cássia Eller
Local: Concha Acústica da UERJ (Rio de Janeiro)
Dezembro de 1992


Em formato acústico, Lobão, Cássia Eller e Boca Livre fazem show para plateia barulhenta

Pelo nome, o evento deveria começar ao meio-dia. Deveria. Cheguei apenas quinze minutos antes desse horário, esbaforido, imaginando estar atrasado. Na porta da UERJ, uma fila imensa – não sei como esse pessoal coube inteiro lá dentro – e um sol de rachar. Por volta das 13 horas, os portões foram abertos, na maior organização.

Após mais quinze minutos de espera, entra o apresentador do show: Fernando Vanucci (“Alô, você!”). Sabe-se lá Deus por que, a claque não perdoou: “Viado! Viado!”. Simpático, Vanucci fez ouvido de mercador. E auto-ironizou: “Pois é, todo mundo se espanta de como sou baixinho...”

Para “fazer hora”, o apresentador fez uma espécie de gincana, com perguntas sobre a carreira dos três artistas que se apresentariam. Quem acertasse, ganharia um chopp do patrocinador do evento. Em se tratando de crianças – havia crianças no local, sabia? –, ganhava um guaraná.
Logo após a brincadeira, Vanucci chamou ao palco a primeira atração:


BOCA LIVRE


Formado por Zé Renato (violão e voz), Maurício Maestro (contrabaixo e vocal), Lourenço Baeta (violão e vocal) e o ex-Vímana Fernando Gamma (violão e vocal), o quarteto (ironicamente) tocou apenas... quatro músicas: “Feito Mistério”, “Ponta de Areia”, e seus dois maiores sucessos, “Toada” e “Quem Tem a Viola

Além de bons instrumentistas, os integrantes são impecáveis nas harmonias vocais. Destaque também para a luz e o som do evento – que estavam simplesmente perfeitos.


CÁSSIA ELLER


Muito bem recebida pelo público, a cantora entrou no palco com seu violão a tiracolo, e visual despojado: jeans e uma t-shirt larga – o que dava a uma certa de impressão de... , fragilidade à sua figura. Mas isso só até o momento em que abriu a boca. A voz extensa de Cássia parecia fazer tremer as paredes do auditório.

A apresentação começou com “Sensações”, de Luiz Melodia. E prosseguiu com a versão rasta de “Eleanor Rigby”, dos Beatles. Na terceira música, a gayRubens”, a plateia já estava na mão de Cássia. Na sequência, o rock vigoroso “Não Sei o Que Eu Quero da Vida” chutou para longe o conceito de que o-banquinho-e-o-violão estão sempre associados à bossa nova.

Finalizando a surpreendente apresentação, a sua bem-sucedida de versão de “Por Enquanto”, da Legião Urbana, com citação dos Beatles de “I've Got a Feeling”. Com a potência de sua voz, e sua “entrega” no palco, Cássia vai longe.

E chegou a vez do astro da tarde.


LOBÃO


Delírio total do público: o Grande Lobo entra cena, de cabelos curtos, t-shirt lisa, bermuda quadriculada, tênis com meia soquete – visual totalmente clean. Com a tulipa de chopp na mão – devido ao calor, o artista bebeu várias durante o show – e desbocado com sempre, negou que estivesse “light”, como Fernando Vanucci o apresentou.

Eis o set list, com os comentários do músico:

* “Por Tudo o que For
* “Help” (Ao tocar o clássico dos Beatles, Lobão não perdeu a piada: “Essa o Collor deve estar cantando agora...”)
* “Essa Noite, Não” (“Essa é a melô do suicida frustrado. Ou vice-versa.”)
* “Noite e Dia / Me Chama” (“Duas canções que a Marina Lima gravou.”)
* “Bangu x Polícia 0” (Para esse número, Lobão chamou ao palco Ivo Meirelles)
* “Panamericana (Sob o Sol de Parador)” (“Essa é sobre uma imaginária República das Bananas, com dezenove perguntas para nenhuma resposta.”)
* “E o Vento te Levou
* “Chorando no Campo” (“Uma canção meio country”)
* “Vida Bandida” (“Me inspirei no Jorge Ben Jor para arranjar essa.”)
* “Mal Nenhum” (“A minha primeira parceria com o Cazuza. Adoro essa música.”)
* “Decadence Avec Élégance” (“Em 1985, me pediram para fazer uma música para uma novela da Globo sobre o mundo das passarelas, chamada Ti Ti Ti. Pensei em falar sobre o oposto da elegância das modelos. Aí saiu: ‘Você não sabe a arte de saber andar /nem de salto alto nem de escada rolante.’ E é uma canção bilíngue – o refrão é em francês.”)
* “Corações Psicodélicos” (“Não sei se vai sobreviver assim, sozinha ao violão”. Sobreviveu, sim)
* “Rádio Blá
* “Revanche”.


No intervalo entre uma canção e outra, Lobão pedia silêncio à plateia. E não era atendido.

– Vocês são revolucionários. A geração ‘cara-pintada’. Vocês são inteligentes, porra! Este é um show universitário, não o Xou da Xuxa! – disparou.

Até que, em um determinado momento, o artista perdeu a paciência. E deixou o palco, levando o violão em uma das mãos. E a tulipa na outra.

Alguns aplaudiram a atitude do músico. Outros vaiaram. Após levantar de seu banquinho, Lobão deu três passos. Parou. E voltou ao microfone, destilando ironia: “Vocês são demais, tá?”. E retirou-se em definitivo. Fernando Vanucci, sem ação, não sabia o que dizer.

Final de show. Bolas de aniversário caindo do teto do auditório. Tudo muito bonito. No repertório de Lobão, porém, ficaram faltando sucessos como “Vida Louca Vida” e “Canos Silenciosos”. A despeito disso, foi uma apresentação memorável. Que os “caras-pintadas” não souberam apreciar devidamente.

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