sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Sting: esse tempo todo, o rio correu, intermitente, para o mar



Livro Fora do Tom (Cosac Naif)
2006

Resenha publicada originalmente no jornal IM - INTERNATIONAL MAGAZINE, edição nº 138 (novembro de 2007).



Em ‘Fora do Tom’, Sting faz um relato autobiográfico minucioso e sincero

A bem da verdade, a autobiografia de Sting, Fora do Tom (Broken Music) foi editada no exterior em 2003 - o cantor até realizou uma turnê com esse título -, tornando-se rapidamente um best-seller na categoria não-ficção. Aqui no Brasil, no entanto, o livro foi lançado apenas há alguns meses (pela editora Cosac Naif) e encontrá-lo... não foi das tarefas mais fáceis.

Curiosamente, a narrativa se inicia aqui no Rio de Janeiro: em 1987, o músico estava na cidade para os shows da turnê Nothing Like the Sun que seriam realizados no Estádio do Maracanã. Seria o maior público para qual o ex-Police teria se apresentado até então. E, durante a sua estadia no Rio, ele procurou se informar a respeito do chá ayahuasca, cerne do ritual religioso da seita Santo Daime. Na companhia de sua esposa, a atriz inglesa Trudie Styler, Sting foi levado até uma sessão e ingeriu a beberagem.

O inicialmente hilário relato a respeito do rito (“Trudie e eu nos olhávamos como dois amantes trágicos à beira de um penhasco. (...) Durante o trajeto que nos conduziu àquele lugar, cheguei a imaginar a manchete do dia seguinte: 'cantor e esposa seqüestrados (...)'”) dá lugar a uma descrição tensa dos efeitos do chá. Percebe-se que “Why Should I Cry for You?”, delicada canção do álbum The Soul Cages (1991), foi, em parte, inspirada nessa experiência, especialmente no verso que diz “all colours bleed to red” (“todas as cores sangram para o vermelho”).

Sting prossegue a narrativa, falando sobre a sua infância modesta em Wallsend (que significa “fim da muralha”). Situada ao norte da Inglaterra, a cidade recebeu esse nome - “ridículo”, na opinião do baixista - porque é justamente ali que termina a muralha de 130 quilômetros, construída no ano de 122 d.C pelo imperador romano Adriano para demarcar o limite ocidental do Império.

Foi justamente das lembranças desse local que surgiram os versos de outra canção, a bela “All This Time” (também de The Soul Cages): “Teachers told us the Romans built this place/ They built a wall and temple on the edge of the Empire garrison town” [“Os professores nos disseram que os romanos construíram esse lugar/ Eles construíram uma muralha e um templo no limite da cidade-fortaleza do Império”]. Há alguns anos atrás, a antiga rua onde o artista morava foi demolida e, em meio aos escombros, foram descobertos vestígios de um templo Romano.

O músico conta que, nos finais de semana e períodos de férias, ele saía para trabalhar com o seu pai, entregando leite nas gélidas madrugadas britânicas. E, nessa ocasião, durante a pausa para um sanduíche de bacon, o pequeno Gordon Sumner, de apenas sete anos de idade, já sonhava com o seu futuro: “Um dia serei rico e famoso, viajarei o mundo inteiro e serei o chefe de uma grande família.”


Fatos acabaram gerando canções

Ao longo do livro, Sting fala dos grupos de jazz nos quais tocou e, circunstancialmente, da gênese de algumas de suas canções. A ótima “Walking On The Moon” (faixa do clássico Reggatta de Blanc, do Police) foi inspirada em uma namorada (“porque estar apaixonado é perder a gravidade”, afirmou). Já “I Burn For You” foi composta para a atriz Frances Tomelty, que mais tarde se tornaria sua primeira esposa (“a canção é terna e romântica, e poderia perfeitamente ser um madrigal tocado num alaúde”). E “Landlord” é uma reação furiosa a um senhorio que, na última hora e sem qualquer explicação, desistiria de alugar um imóvel para o cantor e sua família.

Sting já passou por maus bocados, o que explica a acidez de suas composições no Police. E, sincero, não fugiu de assuntos espinhosos como a penúria nos primeiros meses de casamento ou, pior, o adultério de sua mãe - e a desestruturação do ambiente familiar decorrente disso.

Além da franqueza, outros dois fatores, aliás, são particularmente impressionantes nesse livro: a descrição minuciosa de fatos, lugares e pessoas, assim como a criação de “imagens” simplesmente brilhantes - Sting poderia muito bem escrever romances, se quisesse; e a prodigiosa memória do músico, que conseguiu se lembrar até dos pensamentos que o povoavam em determinadas situações ocorridas em sua tenra idade. Destaque também para a excelente tradução de Cássio de Arantes Leite.


Livro não detalha o período Police

Ironicamente, apesar de Sting narrar o seu encontro com o estupendo baterista Stewart Copeland e o início de carreira de seu famoso power trio (ainda com o francês Henri Padovani na guitarra), o livro não detalha o período do músico inglês como membro do Police. Fica, portanto, a expectativa por uma seqüência de Fora do Tom, abrangendo os anos da banda e também a sua experiência como artista solo - assim como o recente retorno do grupo, que gerou uma bem-sucedida turnê mundial, ainda em curso. Certamente seria um livro tão interessante quanto esse.

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