sábado, 6 de março de 2010

Lulu Santos: a velha paixão pelo samba


CD
Singular (EMI-Odeon)
2009

Resenha originalmente publicada no TOM NETO.COM.


Vinte anos após ‘Popsambalanço & Outras Levadas’, cantor flerta novamente com o gênero

Apesar de não exibir, como compositor, a mesma inspiração de priscas eras, Lulu Santos continua, musicalmente, inquieto como sempre. E, com isso, ao contrário de praticamente todos os seus contemporâneos, mantém a sua relevância. E a sua... hum, singularidade – o clichê foi inevitável.

Não por acaso, Singular é o título de seu novo álbum, foi produzido pelo próprio Lulu juntamente com o seu tecladista, Hiroshi Mizutani, e inteiramente bancado pelo autor de “Casa” – apenas distribuído pela EMI. É o seu 22º trabalho, sendo o 19º de estúdio.

Em “Duplo Mortal” e “Na' Boa”, o cantor e compositor carioca transita pelo pop que o fez famoso. A tônica do CD, no entanto, é a amálgama entre o samba e a eletrônica, presente, por exemplo, nas instrumentais “Spydermonkey” e “Restinga”, primeira e última faixa do álbum, respectivamente.

No samba, aliás, Lulu soa bastante convincente, tanto na inédita “Procedimento” – não faria feio em um disco de Paulinho da Viola –, como na ousada releitura de “Zazueira”, de Jorge Ben, gravada para o disco-tributo O Baile de Simonal.

Provavelmente mencionando os vinte anos de Popsambalanço & Outras Levadas – álbum de 1989 no qual o artista flertou com samba e afins –, Lulu relê, com ares de funk carioca, “Perguntas”, aqui rebatizada de “Perguntas (II)”. Em tempos de verba pública escondida em meias e cuecas, a letra, por sinal, continua bem atual: “Diz aí qual é a tradição / país no duro ou refúgio de ladrão?”.

Fuscio”, composta em homenagem ao seu cachorro, é um típico bolero havaiano, daqueles que Lulu compõe com naturalidade – vide “De Repente, Califórnia”, “Lua de Mel”, “Sereia”, “Tudo” e, claro, “Como uma Onda”.

A primeira música de trabalho é a discoBaby de Babylon”, uma mistura infalível de “Fogo de Palha” (Calendário, 1999) com “Já É!” (Bugalu, 2003). A faixa integra a trilha sonora da novela Viver a Vida.

Completam o repertório “Black and Gold”, do australiano Sam Sparro e a sofrida “Atropelada”, do baixista, cantor e compositor Jorge Ailton.

No final das contas, Singular deixa melhor impressão do que o seu antecessor, o pouco inspirado Long Play (2007). Mas, decididamente, não supera o último grande CD de estúdio de Lulu Santos, o ótimo Letra e Música (2005).

Da série ‘Música clássica não é chata’: Chopin


Artigo originalmente publicado no TOM NETO.COM.


Com o passar dos anos, meu interesse por música clássica, pouco a pouco, foi aumentando. Sem que isso significasse, necessariamente, uma diminuição do meu apreço pela canção popular – as duas vertentes não são excludentes.

(E os Beatles estão aí para não me deixar mentir...)

Desse modo, ocorreu-me a ideia de compartilhar esse prazer com todos vocês que frequentam o blog. Evidentemente, há também a intenção de desmitificar a ideia de que a música clássica é uma arte “elitista” e... ahn, chata. Pronto, falei.

Portanto, começamos com esta que é, provavelmente, a minha peça clássica predileta: a magistral “Nocturne Op. 9 No. 2”, de Chopin [no detalhe].


***


Nascido em 1810, o polaco Frédéric Chopin é considerado um dos pianistas mais importantes da história – e um dos maiores compositores para o instrumento. Sua influência permanece até os dias de hoje, e é comparada à de outros gênios da música, como Mozart e Beethoven.

Sempre com a saúde frágil, morreu em Paris, em 1849, aos 39 anos, vítima de tuberculose.

Curiosidade: antes do funeral de Chopin, de acordo com a sua vontade, seu coração foi retirado. O músico temia ser enterrado vivo – leia-se: catalepsia. Sendo assim, o órgão foi posto por sua irmã em uma urna de cristal selada, com conhaque, destinada a Varsóvia, capital da Polônia.

Permanece até hoje, lacrado, dentro de um pilar da Igreja da Santa Cruz, em Krakowskie Przedmieście, debaixo de uma inscrição do Evangelho de Mateus, 6:21: “Onde seu tesouro está, estará também seu coração”.


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Outra curiosidade: em 1983, o cantor libanês naturalizado italiano Gazebo lançou uma canção em homenagem ao pianista, “I Like Chopin”, que foi sucesso no mundo inteiro.



Veja o vídeo de “Nocturne Op. 9 No. 2”, com o russo Sergei Rachmaninoff:

Sting: quando o inverno chegar...


CD
If On A Winter's Night... (Deutsche Grammophon / Universal Music)
2009


Resenha originalmente publicada no TOM NETO.COM.


Ex-Police mostra-se introspectivo em ‘If On A Winter's Night...’, seu novo CD solo


Após ter reativado, para surpresa geral, o The Police – naquela que foi a mais turnê lucrativa turnê mundial de 2007/2008 –, Sting ressurge, agora barbudo, e com um novo CD solo. E mantendo, coerentemente, o velho hábito de fazer exatamente aquilo que não se espera dele.

Em If On A Winter's Night..., o músico dedica-se inteiramente ao inverno – sua estação do ano predileta –, em um trabalho em que o formato pop rock simplesmente... inexiste. “O inverno, como temática, é rico em material e inspiração”, declarou recentemente.

O disco chega às prateleiras através do selo clássico Deutsche Grammophon – com edição nacional via Universal Music –, a exemplo de seu antecessor, Songs From The Labyrinth (2006), considerado o mais bem sucedido álbum de alaúde da história.

De modo introspectivo, o baixista mergulha na tradição britânica, em temas como “The Snow It Melts the Soonest” – balada de Newcastle, sua cidade natal, situada no norte da Inglaterra – e “Gabriel's Message”, que data do século XIV. Também há espaço para adaptações de peças clássicas, como “Der Leiermann”, do austríaco Franz Schubert, que tornou-se “The Hurdy-Gurdy Man”.

Apenas dois temas são verdadeiramente autorais: a boa “The Hounds of Winter”, originalmente gravada em Mercury Falling, de 1996, e “Lullaby For An Anxious Child”, lado B do single “You Still Touch Me”, do mesmo ano.

You Only Cross my Mind in the Winter”, apesar de letrada por Sting, é, na verdade, um tema do compositor alemão Johann Sebastian Bach. De modo inverso, o compositor de “Roxanne” musicou, em parceria com a harpista escocesa Mary Macmaster, “Christmas At Sea”, poema de Robert Louis Stevenson, autor de O Médico e o Monstro e A Ilha do Tesouro.

If On A Winter's Night... poderá agradar àqueles que aprenderam a apreciar o lado... hum, erudito do ex-Police. Entretanto, os que preferem o Sting pop de “If I Ever Lose My Faith In You” deverão manter distância desse CD – ainda que o mesmo “cresça” a cada audição. Com este álbum, o músico parece querer afirmar que, artisticamente, não se considera “refém” de nada: nem de seu antigo trio, nem de seus sucessos solo. E nem de qualquer coisa que “limite” a sua música.



P.S.: Vale lembrar que, apesar de ter se mantido na ativa durante todo esse tempo, Sting editou o seu último álbum de canções inéditas, Sacred Love, em 2003...

O sagrado (e multifacetado) amor de Sting

...Sting editou o seu último álbum de canções inéditas, Sacred Love, em 2003...




CD
Sacred Love (Universal)
2006

Artigo publicado originalmente no TOM NETO.COM.


O mais recente álbum de inéditas de Sting, Sacred Love, de 2003 (!), causa algum estranhamento nas primeiras audições, devido à eletrônica utilizada em faixas como “Forget About The Future” e, principalmente, “Never Coming Home”.

Mas o ouvinte mais atento logo percebe que, em meio aos sequenciadores, há elementos nada usuais nas pistas de dança como o violão flamenco – cortesia do espanhol Vicente Amigo em “Send Your Love” –, bongôs marroquinos e improvisos de jazz.

O que faz concluir que Sting, obviamente, jamais se permitiria cair na... obviedade.

Nas letras, o bom nível de sempre, desde a tensa e claustrofóbica “Inside” (“Aqui dentro, está mais frio do que nas estrelas / Aqui dentro, os cães estão uivando”), que abre os trabalhos, passando pela raivosa “This War”, até a otimista faixa-título, que fecha o CD.

A delicada “Dead Man's Rope” menciona “dor”, “vazio”, “raiva” e “angústia” e, depois, a “doce chuva do perdão”, através do “amor de Jesus”. E cita “Walking In Your Footsteps”, de Synchronicity, último trabalho do Police. Já os engenhosos versos de “Stolen Car (Take Me Dancing)” contam a estória do sujeito que rouba o carro de um ricaço, e enquanto dirige, começa a se imaginar na vida do dono do veículo.

The Book Of My Life”, belíssima, usa a metáfora de um livro – no caso, Fora do Tom, a ótima autobiografia do cantor – para refletir sobre a vida: “Porque o fim é um mistério, que ninguém consegue ler / no livro de minha vida.” E traz a boa participação da citarista Anouskha Shankar – sim, filha de Ravi Shankar, o homem que, indiretamente, introduziu os sons indianos na música dos Beatles.

O ponto alto do disco, entretanto, é o soul “Whenever I Say Your Name”, dueto com Mary J. Blige.

Sacred Love, de um modo geral, é um bom álbum. Mas já se passaram seis anos desde o seu lançamento. De onde se conclui que passou da hora de Sting providenciar o seu sucessor...



P.S.: Devido à fria recepção à eletrônica de Sacred Love, o ex-Police regravou, ao vivo, todas as faixas do álbum no DVD Inside The Songs Of Sacred Love – excluindo dos arranjos os sequenciadores e dando mais ênfase ao jazz. E, cá para nós, as canções soaram bem melhor assim...



Veja o vídeo de “Whenever I Say Your Name”, com Sting e Mary J. Blige:

Sting e o ‘outono’

...a boa ‘The Hounds of Winter’, originalmente gravada em Mercury Falling, de 1996...

(“Sting: quando o inverno chegar...”)


CD
Mercury Falling (Universal)
2006

Artigo originalmente publicado no TOM NETO.COM.


Mercury Falling [no detalhe] foi o álbum que Sting editou em 1996 – cuja faixa inicial era “The Hounds of Winter”, em versão superior à regravada pelo músico em seu recém-lançado trabalho, If On a Winter's Night....

Gravado em um período de suposta “crise de meia-idade” do ex-Police, o CD mostra desencanto já na foto da capa, que flagra o músico com um semblante de quem está atolado em dívidas...

Em entrevista da época, Sting declarou: “Tenho que aceitar a ideia de que estou ficando velho. E que vou morrer.” O próprio título do disco menciona, ainda que de forma metafórica, o “crepúsculo”: o mercúrio (do termômetro) descendo. A temperatura caindo. O outono. O ocaso.

Entretanto, as canções do álbum, curiosamente, não transparecem essa melancolia. Pelo contrário: há temas bastante “otimistas”, como o pseudo-gospel “Let Your Soul Be Your Pilot” – que foi o primeiro single de trabalho – e a pop “You Still Touch Me”.

Apesar de apresentas faixas menos inspiradas – como “Twenty-Five To Midnight” e o reggae placebo “All Four Seasons” –, o CD está repleto de bons momentos. Exemplos: a celta “Valparaiso” e a curiosa bossa nova em francês “La Belle Dames San Regrets”, cuja introdução é algo... hum, “sambista”, com direito à cuíca (!).

No quesito letra, Sting continuou à margem do superficial. A narrativa de “I Hung My Head”, presumivelmente ambientada no século XVIII, fala sobre um indivíduo que, disparando seu rifle a esmo contra uma colina, atinge acidentalmente – e fere de morte – um cavaleiro. Julgado, acaba condenado à guilhotina. Foi gravada de modo pungente pelo lendário Johnny Cash no CD American IV: The Man Comes Around, de 2002.

Já o country “I'm So Happy I Can't Stop Crying” fala sobre um homem cuja esposa o abandonou (“Ela aparece para perguntar como estou. Diz: ‘Você está bem? Estou preocupada com você. Você me perdoa? Quero que seja feliz’.”). E que, passada a tristeza inicial, aceita a separação (“Algo me fez sorrir / algo parece aliviar a dor / algo sobre o Universo / e como está tudo conectado”). Em 1997, recebeu uma versão do americano Toby Keith, com participação do próprio Sting.

Contudo, o ponto alto do disco, é a abrasileiradaI Was Brought To My Senses”, dona de versos “existencialistas” (“Pela primeira vez, vi a obra Divina / na linha onde as colinas se encontram com o céu”) e belas imagens (“Seríamos como a lua e sol /e, quando a nossa delicada dança no céu houvesse terminado seu curso, / então repousaríamos juntos”).

Mercury Falling termina com uma mensagem de esperança na rural “Lithium Sunset”* (“Tenho estado amedrontado / tenho estado despedaçado / (...) mas ficarei melhor”). O verso final, todavia, não deixa de constatar: “Vejo o mercúrio descendo...



* “Lithium Sunset” – “Crepúsculo de Lítio”. O lítio é o mais conhecido “estabilizador de humor”, amplamente utilizado na prevenção de crises depressivas e bipolares.




Veja o vídeo de “I Was Brought To My Senses:




E também “The Hounds Of Winter”, com participação do violoncelista brasileiro Jacques Morelenbaum: