CD Mondo Cane (Polygram)
1992
Artigo publicado no jornal IM - INTERNATIONAL MAGAZINE, edição nº 131 (abril de 2007).
Considerado um dos melhores trabalhos de Lulu Santos, álbum permanece fora de catálogo
Em 1992, Lulu Santos vinha de um álbum com desempenho apenas razoável: o bom Honolulu, que teve apenas um hit, a bela "Papo Cabeça" ("Ñ Acredito", versão de "I'm a Believer", de Neil Diamond, teve execução radiofônica discreta). Esse foi o último dos cinco discos que Lulu gravou para a RCA (atual Sony BMG). Naquele mesmo ano, o cantor assinou com a antiga Polygram (que, posteriormente, tornou-se a Universal) para gravar o sucessor de Honolulu: o ótimo Mondo Cane - que acabou sendo o seu único trabalho na companhia.
Considerado hoje pelo próprio Lulu um disco "triste e angustiado, concebido em um momento difícil de minha vida", o fato é que Mondo Cane (apesar de seu insucesso comercial) é considerado pelos admiradores do cantor um de seus melhores trabalhos. Ainda que guardasse resquícios da busca pela brasilidade evidenciada em Popsambalanço & Outras Levadas, de 1989 - o que fica claro no samba "Realimentação" e na bossa "E Então (Boa Pergunta)", que fecha o disco -, Lulu permitiu-se influenciar pelo rock vigente naquele período (leia-se: Nirvana) e, por essa razão, gravou quase metade do disco com guitarras bem distorcidas, realçando o notável instrumentista que o músico carioca sempre foi.
A formatação pop que o consagrou, no entanto, não poderia ficar de fora: já se apresenta, de cara, em "Um Vício", a faixa que inicia o álbum. Apesar da sonoridade ensolarada, a letra é pura amargura, em sua definição clara e objetiva do amor: "a euforia quente, que te encharca o corpo, a mente/ não te pertence: é induzida por algum agente/ e, com a mesma rapidez que você chega aos céus/ o inferno passa a ser seu lar". A tensão prossegue com o ska "Cicatriz" ("eu te afoguei no líquido/ desse pântano escuro que eu chamo de amor") e com o pop pulsante de "Foi Mal", cuja letra é igualmente azeda ("hoje eu reconheço minha estupidez/ penso que aprendi a lição/ o líquido e certo é que não me amas, não").
"A Coisa Certa" soa como as famosas "bandas de franjinha" da Manchester dos anos 90, e traz um trocadilho inteligente: "quero lhe oferecer o meu presente/ tomara que você aceite, e que fique contente (...)/ ninguém jamais enjoaria de um presente/ pois todo dia haveria um novo, diferente". Pouquíssimas pessoas notaram que, quando Lulu falou em "presente", referia-se ao momento atual - e não a um presentinho de aniversário.
A belíssima "Apenas Mais Uma de Amor" poderia ser classificada como uma "moda de viola Beatle", e foi o único hit radiofônico do álbum (tendo voltado a fazer sucesso em 2000, quando regravada para o projeto Acústico MTV). E aí começa o módulo mondo cane.
Em 2002, cantor disponibilizou o disco em mp3 para download gratuito em seu site oficial
"Ecos do Passado" é distorção do início ao fim e, como o título entrega, fala de lembranças pretéritas - e também da vida na estrada: "deixa a casa limpa e pé na estrada/ que não vai dar em nada, não/ mas pega bem, circular". A furiosa "Fevereiro", forte candidata a melhor faixa do álbum, tem um riff mortífero, e uma letra de imagens caóticas ("ar, é necessário respirar/ fugir debaixo dessas nuvens de metal/ ferro fundido, enxofre e fel"), que não poupam nem a Vênus Platinada: "eu tenho ganas de voar/ fugir do lixo obrigatório da estação/ caras e cus na televisão". E pensar que, na época, ele cantou essa música em pleno Domingão do Faustão...
"Máquinas Macias", pesadíssima, fala de sexo cerebral ("máquinas macias, autolubrificantes (...)/ resfolegando a noite inteira produzindo o gozo/ e nada menos, e nada mais"), aproveitando para - a exemplo do ocorrera em "Senta a Pua", do disco anterior - novamente subverter "Fire", de Jimi Hendrix ("oh move over, Rover/ and let Lulu take over"). Depois da tempestade, um momento de delicadeza: a tocante "Aquela Vontade de Rir", de Zé Renato e Hamilton Vaz Pereira, onde o cantor é acompanhado apenas por suaves teclados.
Por uma dessas inacreditáveis mazelas da ridícula indústria fonográfica, Mondo Cane (cujo título foi inspirado no bárbaro documentário do italiano Gualtiero Jacopetti, 1962), permanece fora de catálogo - ainda que, em 2002, por ocasião dos dez anos de lançamento do álbum, Lulu Santos o tenha disponibilizado integralmente em mp3, para download gratuito, em seu site oficial.
Em entrevista recente, Lulu acenou com a possibilidade de a Sony BMG (sua atual gravadora) adquirir os direitos do álbum para reeditá-lo em um box comemorativo. Que isso venha a se confirmar. O pop nacional não pode prescindir de um trabalho desse calibre.
Um comentário:
É isso mesmo... Parabéns.
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