CD e DVD Acústico MTV (Sony BMG)
2007
Resenha publicada no jornal IM - INTERNATIONAL MAGAZINE, edição nº 132 (maio de 2007).
Músico passa a limpo toda a sua (tortuosa) trajetória em surpreendente Acústico MTV
O inesperado acontece: Lobão, grande paladino do mercado independente nos últimos oito anos, edita o seu Acústico MTV, pela Sony BMG (!).
Como não poderia deixar de ser, a polêmica começou muito antes do lançamento do álbum. Tão logo foi feito o anúncio de que Lobão sentaria no banquinho da emissora paulistana, muitos estranharam a decisão do músico. E a imprensa, claro, não perdeu a piada - classificando-o até como um... “cordeiro”.
O grande questionamento era: depois de tanto vociferar contra a ditadura estética do jabá, imposta às rádios pelas grandes gravadoras e afirmar que certos artistas usam o acústico como um “desfibrilador” (para ressuscitar suas carreiras moribundas), o artista agora “se rende às corporações”? Mas o pior é que ele tem dois álibis.
Primeiro: fazer um acústico não é uma incoerência para quem, em 1993, percorreu o país apenas com um violão em punho, com o show Brasilis Erectus (que, lamentavelmente, jamais teve registro oficial), quando NINGUÉM ainda falava nesse formato. Segundo: ao que tudo indica, ele foi procurado para desenvolver esse projeto - e não o contrário. Lobão teria, inclusive, feito uma declaração bem a seu estilo: “a indústria caiu de joelhos por mim”. E essa afirmativa tem lá seu fundo de verdade: apesar dos entreveros, as multinacionais ainda tinham interesse no grande artífice que ele sempre foi.
Aliás, não fosse o brilhantismo de Lobão como autor de canções, certamente ele já teria sido pulverizado do mercado há muito tempo.
E não haveria pirotecnia que o salvasse.
Mistura homogênea de violência e candura
Isso, porque, no decorrer de sua fase independente, ele se esmerou em “roubar o próprio show”: o músico era muito mais comentado por suas “ações políticas” (contra os viciados esquemas de divulgação musical no Brasil) e por suas declarações pretensamente bombásticas - e, muitas vezes, infelizes - a respeito de nomes como Elis Regina, Chico Buarque, Caetano Veloso e Gilberto Gil... do que pelo seu próprio trabalho. Nesse período, todos tinham conhecimento da “mais recente polêmica do Lobão”.
Mas poucos sabiam qual era “a canção nova do Lobão”.
E, durante todo esse tempo, o cara fez música. Aliás, boa parte do repertório do Acústico MTV, está focalizada no “universo paralelo” que ele criou longe do mainstream: de A Vida é Doce entram a furiosa “El Dedichado II” (que abre o disco como um... cartão-de-visitas) e “Pra Onde Você Vai”; e do recente Canções Dentro da Noite Escura, “Você e a Noite Escura”, a sombria balada “A Gente Vai se Amar” (com participação do Cachorro Grande) e “Quente”, poema de Julio Barroso (a grande promessa não-cumprida do rock nacional, devido a seu precoce desaparecimento, em 1984) que Lobão musicou.
Obviamente, ele incluiu sucessos que não poderia deixar de fora: a bela “Essa Noite Não”, “Blá Blá Blá... Eu te Amo” (parte da letra foi alterada com uma sutileza... britânica), “Decadence Avec Élegance”, “Corações Psicodélicos” (cantada de maneira propositadamente desleixada, zombeteira), “Noite e Dia”, “Por Tudo o que For” e, claro, o clássico “Me Chama”.
Com essa mistura homogênea de violência e candura, o lupino construiu um mosaico de sua carreira incrivelmente... coeso. E ainda deu-se ao luxo de deixar de fora “Vida Bandida” e “Vida Louca Vida”. Ele alegou que não encontrou “boas soluções de arranjo nesse formato” para ambas.
A intenção do cantor era fazer “o melhor de todos os acústicos”
Apresentando instrumentos como o banjo, a craviola e a viola caipira, o álbum (produzido pelo Ídolo Carlos Eduardo Miranda) apresenta arranjos muito elaborados - resta saber se Lobão irá excursionar com essa estrutura. Seis faixas contaram com a participação de um quinteto de cordas. E as que mais se beneficiaram desse auxílio luxuoso foram: “A Vida é Doce” (teve a sua carga dramática intensificada), a épica “A Queda” (de Nostalgia da Modernidade, um dos mais brilhantes - e menos ouvidos - álbuns já gravados nesse país) e a bachiana “Vou te Levar”, escolhida como a primeira faixa de trabalho.
Em relação a essa última, corrige-se agora uma grande injustiça: quando de seu lançamento, em 1999, a bela canção passou em brancas nuvens e agora obtém... boa execução radiofônica. Não, você não leu errado: depois de quase dez anos, Lobão está, sim, tocando nas rádios.
E é bem provável que, a essa altura, ele esteja dizendo: “viram só? Isso corrobora a minha tese!”
As grandes surpresas ficam por conta da estradeira “O Mistério” (parceria com Lulu Santos e Ritchie, composta ainda nos tempos do Vímana, mas que permanecia inédita até os dias atuais) e a boa versão de “Bambino (Bambina)”, de Ronaldo Foi pra Guerra, 1984.
O DVD foi editado agora no início de maio e, além das 18 músicas do CD, apresenta três faixas bônus: “Que Língua Falo Eu”, “Revanche” e “Chorando no Campo”.
Com sua verve habitual, ele teria afirmado que queria fazer “o melhor de todos os acústicos”. Bem, é difícil apontar “o melhor”. Mas não há dúvida de que ele já conseguiu realizar, pelo menos, um dos melhores. Seguramente.
Espera-se que esse trabalho seja um marco na carreira do artista - e que, a partir de agora, o personagem Lobão fique em segundo plano. Claro, ele jamais se tornaria, publicamente, um indivíduo polido, diplomático - porque aí... deixaria de ser o Lobão, não é mesmo? Entretanto, em detrimento ao avatar, o músico bem que poderia ter um pouco mais de destaque.
O que seria melhor para todos.
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