Resenha publicada originalmente no jornal IM - INTERNATIONAL MAGAZINE, edição nº 139 (dezembro de 2007).
Músico edita, simultaneamente, 'Lótus' (álbum de inéditas) e 'Intimidade' (CD e DVD com sucessos gravados ao vivo)
Em um gesto ousado, Guilherme Arantes acaba de lançar dois trabalhos de uma só vez: o disco de inéditas Lótus (pelo seu selo Coaxo do Sapo, com distribuição pela Sigla) e Intimidade (Som Livre), também disponível em DVD, com seus sucessos gravados ao vivo em estúdio, em formato acústico.
Antes de qualquer coisa, é fundamental dimensionarmos a importância (sempre subestimada) de Arantes na música moderna brasileira: parcela significativa da consolidação da canção pop no Brasil passa pela musicalidade fluente do pianista paulistano. Guilherme jamais foi um roqueiro como seus contemporâneos (“Tenho mais ou menos a idade do Cazuza, mas jamais tive a verve, a acidez dele”, declarou, há alguns anos atrás) e, por essa razão, dedicou-se à criação de pepitas radiofônicas que acabaram construindo um nicho próprio.
Pouquíssima gente parou para pensar que muito da existência artística de nomes como Kid Abelha e Lulu Santos se deve a Guilherme Arantes. Lulu, aliás, em suas apresentações ao vivo, cita “Deixa Chover” ao final de sua “Tudo Com Você” há pelo menos dez anos.
Lótus é o primeiro disco de inéditas de Arantes desde Aprendiz, de 2003. Trata-se de um álbum de canções suaves, como “Blue Moon pra Sempre”, “Carta de Gratidão” e “Por Todo Canto”. Traz duas parcerias com Nelson Motta (as bossas “Vaivem (Amor de Carnaval)” e “Verão de 59”), uma com Max Viana (“Disque Sim!”), uma faixa instrumental (“North Shore”) e até um pseudo-rap com uma boa narrativa anti-racismo (“Tributo”).
“Salvador, Primavera e Outono” é uma homenagem à capital baiana, na qual o músico mora há sete anos. O habitual pop fluente de Guilherme até aparece em “Um Grão de Areia”, que abre os trabalhos. O restante do álbum, no entanto - mesmo não sendo ruim -, não chega exatamente a empolgar. De qualquer forma, é mais interessante do que muita coisa que se ouve por aí.
Intimidade (Som Livre)
2007
'Intimidade' traz vários clássicos do compositor
Guilherme Arantes foi um autor gravado por boa parte da MPB: de Leila Pinheiro (“Coisas do Brasil”) a Zé Ramalho (“Planeta Água”), passando por Emílio Santiago (“Pedacinhos”) e Sandra de Sá (“Férias de Verão”), além de gigantes como Elis Regina (“Aprendendo a Jogar” e “Só Deus é quem Sabe“), Maria Bethânia (“Brincar de Viver”), Caetano Veloso (“Amanhã”) e até Roberto Carlos (“Toda Vã Filosofia”).
Muitas dessas pérolas - e outras como “Lance Legal”, a pop “Cheia de Charme”, “Um Dia, Um Adeus”, a infalível “O Melhor Vai Começar”, “Cuide-se Bem” e “Meu Mundo e Nada Mais” - estão presentes, em delicadas versões, em Intimidade. A grande ausência do repertório é a irresistível “Loucas Horas”, perfect pop na acepção do termo. Mas, de qualquer forma, para quem se esqueceu desse grande artífice, essa é uma ótima chance de relembrar. E, para as novas gerações que não conhecem bem o seu trabalho, é a oportunidade de ouvir canções pop brasileiras honestas e bem-feitas.
É bem provável que Intimidade, com tantos clássicos reunidos, venha a ofuscar as inéditas de Lótus. Mas é evidente que Guilherme sabia que estava correndo esse risco. E merece congratulações pela audácia.
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