sexta-feira, 19 de outubro de 2007

Lulu Santos: todos reunidos em uma pessoa só



CD Long Play (Som Livre)
2007





Cantor se mostra multifacetado em Long Play, seu novo CD

Durante a sua já extensa carreira, Lulu Santos já flertou com os mais diversos estilos: rock, bolero havaiano, samba pop, discothèque e afins. Tudo por "libido", como ele mesmo afirma. E várias dessas possibilidades estéticas se fazem presentes - e de maneira bastante natural - em Long Play (Som Livre), seu 21º álbum.

Ainda que apresente guitarras bem menos ostensivas do que em Letra e Música (2005), seu ótimo CD anterior, o disco novo não deixa de ter uma sonoridade de banda. E o background de rock do músico fica claro na nervosa "Domingo Maldito", onde, a exemplo dos Titãs (em "Domingo", de 1995), Lulu também pragueja o "dia de descanso". A tensão está também no crossover de "Dopamina", que mistura guitarras ásperas e uma bateria seca a seqüenciadores e vocais levemente distorcidos. Já "Contatos" (a primeira faixa de trabalho) e "Ninguém Merece" trazem a assinatura pop típica do autor de "Fogo de Palha".

"Olhos de Jabuticaba", que abre os trabalhos, é canção pop dançante de inegável brasilidade - o berimbau contribui muito para esse sabor. "Seu Aniversário" é uma convincente faixa disco de parabéns - que, aliás, conta com dois remixes (sendo um instrumental, para... hã... karaokê).

Depois de tantas incursões no samba, Lulu já demonstra intimidade com o estilo. "Propriedade Particular" e "Boa Vida" têm toda a estrutura harmônica e melódica tradicionais do gênero - ambas, porém, com arranjos bem atualizados. Engenhoso. Já a eletrônica algo Kraftwerk fica evidente na sinuosa e minimalista "Surreal".

As duas surpresas do álbum são: a versão de "Deixa Isso pra Lá", considerado o primeiro rap nacional, imortalizado na voz de Jair Rodrigues; e, numa provável forma de endossar o funk carioca, o registro interessante de "Se Não Fosse o Funk", sucesso de MC Marcinho. Até mesmo quem não gosta de batidão periga gostar dessa faixa...

Ainda que sem superar o seu antecessor, Long Play é um disco de Lulu Santos - e isso, por si só, já diz bastante coisa. Todo mundo sabe: em se tratando de pop nacional, ele é o cara.

Caetano Veloso: Torre de Babel

CD Língua (Universal)
2007


Resenha publicada no jornal
IM - INTERNATIONAL MAGAZINE, edição nº 134 (julho de 2007).



Coletânea desigual apresenta gravações do compositor baiano em outros idiomas

Às vezes, é difícil compreender os critérios das gravadoras. Tudo bem, negócios são negócios - e todos precisam sobreviver. Entretanto, no afã de auferir lucro, a indústria fonográfica quase sempre mete os pés pelas mãos. E, muitas vezes, acaba prestando um desserviço ao artista (por mais brilhante que ele seja) e a seu público. Esse é justamente o caso de Língua (Universal), compilação de Caetano Veloso que apresenta apenas fonogramas gravados em idiomas estrangeiros. As duas únicas exceções são "Estranha Forma de Vida", célebre na voz de Amália Rodrigues, cantada por Caetano com convincente sotaque luso; e o rap que batiza o CD, originalmente lançado em Velô, 1984.

Em que pese a qualidade de algumas faixas (e Caetano costuma acertar em releituras de canções alheias), como "Help", a linda "Vete De Mí", "Let It Bleed" e "Dans Mon Île" (do francês Henri Salvador), a coletânea peca por seu caráter desigual - provavelmente resultante da pouca intimidade com a obra do artista por parte de quem selecionou o repertório.

O clássico "Nine Out Of Ten", por exemplo, é apresentado em sua fraca segunda versão (do já mencionado álbum Velô), quando, na verdade, a gravação original, contida em Transa (1972), é simplesmente definitiva. Outro equívoco: escolher "Michelangelo Antonoini" e "Fina Estampa", deixando de fora a ótimas versões de "Jokerman" (de Bob Dylan) e "Mano a Mano" (Carlos Gardel).

Do álbum de 1969, "Cambalaches" foi incluída em Língua; já a bela "Lost in The Paradise", não. Isso sem contar a imperdoável ausência de "You Don't Know Me", faixa de abertura do supracitado Transa.

Mas o álbum tem um trunfo para os colecionadores: o dueto com o Professor Cauby Peixoto em "Cheek to Cheek", que não consta em nenhum dos discos do compositor baiano - está presente apenas em Cauby Canta Sinatra, de 1995. Fica, portanto, a sugestão de um álbum reunindo participações de Caetano (que não foram poucas) em trabalhos de outros artistas (como Cesaria Évora, Luciano Pavarotti, Sérgio Godinho e David Byrne, entre outros). Apesar da grande dificuldade que seria a negociação com várias gravadoras e editoras, esse, sim, seria um trabalho verdadeiramente complementar à obra de Caê - e de grande relevância para quem o admira.

Para os neófitos, Língua talvez valha a pena. Talvez. É uma coletânea de Caetano e, como tal, pode servir a quem não possui os discos originais que abrigam as faixas incluídas nesse CD. Mas, para os iniciados... melhor esperar o disco ao vivo que sai até o final do ano.

Pedro Mariano: ainda não foi dessa vez

CD Pedro Mariano (Universal)
2007


Resenha publicada no jornal
IM - INTERNATIONAL MAGAZINE, edição nº 134 (julho de 2007).



Em seu quinto álbum de estúdio, o irmão de Maria Rita continua ser dizer a que veio


DNA de respeito, pelo menos, Pedro Mariano (que está de CD novo, epônimo, o primeiro pela Universal Music) tem: de um lado o maestro César Camargo Mariano; do outro, a maior cantora que esse país já teve (adivinha?). Se tudo dependesse apenas desse fator, o irmão de Maria Rita e João Marcelo Bôscoli mereceria melhor sorte. Trata-se de um intérprete de boa afinação e timbre agradável - embora não possua grande extensão de voz.

Mas o fato é que, em dez anos de carreira, ele teve apenas um registro fonográfico à altura de sua árvore genealógica: Piano e Voz (2004), gravado na companhia de seu famoso pai. Grande parte da qualidade daquele trabalho reside no fato de que, ali, Pedro procurou ser um cantor de MPB. Isso porque, via de regra, ele sofre de um mal chamado "indefinição estilística": ninguém sabe ao certo se ele quer ser cool ou imprimir swing à sua música.

E, em seu recém-lançado álbum, as incertezas continuam. "Tá Tudo Bem", que abre os trabalhos, é pop ensolarado é bem-intencionado - mas tão diluído quanto um envelope de Tang dentro de uma caixa d'água.

Jorge Vercilo - que, como autor, já acertou várias vezes - cede duas canções para o trabalho, ambas insípidas: "Poder" e "Personagem". Esta última é parceria com Ana Carolina que, como compositora, é uma cantora de grande material vocal. "Procurando por Mim" foi composta por Moska. E o autor de "A Seta e o Alvo" já escreveu coisas bem melhores...

Como fator complicador, Pedro insiste, mais uma vez, nas canções invariavelmente inócuas de Jairzinho Oliveira, como "Quarto Vazio", "Intacto" e o... hã... samba (?) "Sujou, Camarada". "Ventania" até que é melhorzinha. De qualquer forma, alguém deve ter dito que o filho de Jair Rodrigues era um grande compositor.

E agora? Ele acreditou.

Mas calma: nem tudo no álbum é assim tão ruim. Tem as versões chiques para "Além de Amar", de Djavan, e "Só Deus é Quem Sabe", de Guilherme Arantes, gravada por Elis em seu derradeiro álbum. De zero a dez, nota seis para ambas.

O melhor momento, na verdade, é "Risos e Memórias", que fecha o disco e, sinceramente, merecia fazer sucesso. Composta por Diego Saldanha (autor de "É Cedo", que o Roupa Nova gravou com a participação do próprio Pedro em RoupAcústico 2), a canção exige um enfoque, digamos... mais emocional - e Pedro não fez feio.

Mas, cá pra nós: uma música dessas na mão de um artista despudoradamente "romântico"...

Taí: provavelmente Pedro Mariano teria resultados muito melhores se fosse um intérprete menos blasé e mais intenso, mais espontâneo. Seria bacana se ele um dia acertasse a mão e se tornasse o jovem cantor de sucesso que, atualmente, o mercado brasileiro não possui.

Mas ainda não foi dessa vez.

Vanessa da Mata: falando sério

CD Sim (Sony BMG)
2007


Resenha publicada originalmente no jornal
IM - INTERNATIONAL MAGAZINE, edição nº 134 (julho de 2007).



Em seu terceiro álbum, a cantora mato-grossense comete o seu trabalho mais ambicioso

A despeito do enorme sucesso de "Ai Ai Ai" ("Se você quiser, eu vou te dar um amor desses de cinema/ não vai te faltar carinho..."), faixa de Essa Boneca Tem Manual, seu segundo álbum, muitos ainda vêem Vanessa da Mata apenas como "aquela cuja voz é uma mistura de Adriana Calcanhotto com Marisa Monte". E esses vão levar um baita susto com Sim (Sony BMG), terceiro disco da cantora mato-grossense.


Produzido muitíssimo bem por Kassin e Mário Caldato Jr. e gravado entre o Rio e Kingston, Sim traz a participação de músicos do calibre de João Donato (que toca piano no quase-bolero "Meu Deus"), o baterista Wilson das Neves e os guitarristas Fernando Catatau, Pedro Sá e Davi Moraes, entre outros. Na parte jamaicana da empreitada, houve a colaboração da dupla de bambas do reggae Sly Dunbar e Robbie Shakespeare em cinco faixas, entre elas a simpática "Vermelho".


Os arranjos de "Baú" e "Fugiu com a Novela" são simplesmente surpreendentes: as distorções, os timbres modernosos e a brasilidade ocupam o mesmo lugar no espaço sem o menor sinal de conflito. E "Você Vai me Destruir", então? Uma canção derramada, de temática quase brega, sob um groove típico da disco. Inesperado.

"Minha Herança: Uma Flor" fecha o álbum trazendo apenas a cantora e seu violão (instrumento que ela mesma confessou não dominar), em um momento de delicadeza semelhante à "Nossa Canção" - em 2003, ela gravou uma das melhores versões do clássico da Jovem Guarda, de autoria de Luiz Ayrão.

"Boa Sorte/ Good Luck", dueto com Ben Harper, tem tido boa execução radiofônica. Esse é o primeiro single de um álbum que possui grande potencial comercial - em "Amado" e "Quem irá nos Proteger?", por exemplo. Detalhe: "Ainda Bem", faixa de seu disco anterior, ainda toca nas rádios, impulsionada pela inclusão na trilha da finda novela das sete.


Sim é um trabalho ambicioso e significará alguns passos à frente para a carreira de Vanessa da Mata. Decididamente, ela não está de brincadeira.

Michael Bublé: como nos velhos tempos


CD Call Me Irresponsible (Warner)
2007


Resenha publicada originalmente no jornal
IM - INTERNATIONAL MAGAZINE, edição nº 134 (julho de 2007).



Michael Bublé permanece firme em sua opção de ser um crooner à moda antiga para as novas gerações

A estratégia é simples: um cantor jovem - e que realmente canta bem - sedimenta o seu repertório entre grandes standards americanos (em especial, os de Frank Sinatra), algumas poucas canções inéditas e desprezo absoluto pela estética do rock - mas não pelos compositores do gênero (como Eric Clapton, por exemplo). Essa é a fórmula do sucesso de Michael Bublé, que estourou mundialmente em 2004 com a impecável versão de "You'll Never Find Another Love Like Mine". E o canadense chega ao seu terceiro álbum de estúdio, Call Me Irresponsible, editado pela Warner.

Com o respaldo de mais de 11 milhões de cópias vendidas em todo o planeta, o jovem artista (de 31 anos) não viu razões para mexer em time vencedor. Dos clássicos eternizados por The Voice, Bublé escolheu dessa vez "That's Life", "The Best Is Yet To Come", "Dream", "I've Got The World On A String" e a faixa título - todos arranjados à moda antiga, sem invencionices.

Um suave sabor latino dá o tom em "It Had Better Be Tonight (Meglio Strasera)", de Henry Mancini. E o cantor ainda aproveita para reler, de maneira competente, "Me And Mrs. Jones", grande sucesso de Billy Paul nos anos 70, e "I'm Your Man" de Leonard Cohen. "Always on My Mind", já gravada por meio mundo, recebe do intérprete um registro suave, no melhor estilo fox.

Outro bom momento é "Wonderful Tonight", clássico do supracitado Eric Clapton, transformada em bossa nova na companhia de Ivan Lins, que cantou em bom português. É bem provável que God (que se tornou fã de João Gilberto depois de assistir a um concerto deste em Londres) fique satisfeito.

Mas o ouvinte atento perceberá sutis diferenças em relação aos trabalhos anteriores do artista. Uma delas é a participação do grupo Boyz II Men, responsável pelos backing vocais em "Comin' Home Baby", já gravada por Quincy Jones, Sérgio Mendes, Mel Tormé e muitos outros. Outra é "Everything", onde a sonoridade de big band foi deixada de lado em prol de uma formatação pop camerística. Inédita e autoral, a canção (escolhida como o primeiro single do álbum) possui refrão eficiente, bela melodia e tem obtido boa execução nas chamadas "FMs adultas" do Brasil. E assim, lentamente, o cantor começa a criar a sua própria cara.

O trabalho de Michael Bublé não prima exatamente pela originalidade. E muito menos pela modernidade. Mas será que alguém se importa com isso? Pelo menos, bom gosto não lhe falta.

Simply Red: simplesmente... uma pena


CD Stay (simplyred.com, Universal)
2007

Resenha publicada originalmente no jornal
IM - INTERNATIONAL MAGAZINE, edição nº 134 (julho de 2007).



Em seu novo álbum, Simply Red dá munição aos seus detratores

Em 2005, ao lançar o refinado Simplified (no qual retoma alguns de seus sucessos, temperando-os com uma certa... hum... latinidad), Mick Hucknall, o músico que grava sob o nome Simply Red prometeu para o ano passado um projeto semelhante: Unplified, no qual outros hits seriam retomados, porém com a sua pegada característica. E não foi isso o que aconteceu. Hucknall preferiu editar (novamente pelo selo próprio simplyred.com, distribuído no Brasil pela Universal) Stay, CD de inéditas, o décimo de sua carreira.

E abandonar (ou adiar) a idéia do álbum de regravações acabou sendo um mau negócio. O Simply Red, detentor de um caminhão de boas faixas, dessa vez... desapontou. Entre as onze faixas do disco (sendo dez autorais, mais "Debris", do repertório do The Faces), não há nenhuma balada com a eficiência de uma "Say You Love Me" ou "You Got It". O balanço black das ancestrais "Something Got Me Started" ou "Come To My Aid"? Esqueça. Hucknall, apesar de ainda estar com a voz em dia, gravou um disco insosso, opaco, que soa como um mero esboço de si próprio. Depois da primeira audição, vai demorar para você ter vontade de ouví-lo novamente.

Para não dizer que tudo é absolutamente sem graça, é possível, com boa-vontade, salvar "So Not Over You", "The Death of Cool" (de todas as melodias, essa é a melhor) e "They Don't Know". Nenhuma três, no entanto, entraria em uma coletânea, sem sombra de dúvidas. O coral infantil em "Little Englander" é simplesmente constrangedor. Para um grupo com um passado feliz como o Simply Red...

Aliás, nem precisa ir tão longe: em comparação ao último de inéditas, Home, de 2003 - que teve pelo menos um sucesso, a boa versão de "You Make Me Feel Brand New", dos Stylistics -, Stay perde de goleada. E o pior é que, dessa vez, os detratores de plantão terão toda a razão. Se Hucknall gravasse o tal segundo álbum de sucessos, provavelmente se pouparia desse vexame.

Com o perdão do trocadilho infame: simplesmente... uma pena.