quarta-feira, 22 de outubro de 2008

A obra-prima de Costello e Bacharach completa dez anos



CD
Painted From Memory (Universal Music)
1998

Artigo publicado originalmente no jornal IM - INTERNATIONAL MAGAZINE, edição nº 144 (julho de 2008).


Uma década após o seu lançamento, ‘Painted From Memory’ ainda soa sedutor

Em meados da década de 1990, o multifacetado Elvis Costello declarou, em entrevista, toda a sua admiração pela obra de Burt Bacharach. E também o desejo de um dia colaborar com ele. O maestro americano agradeceu pela deferência, mas não deu um passo à frente.

Algum tempo depois, Costello foi convidado para compor a música-tema do filme Grace Of My Heart (no Brasil, A Voz do meu Coração). Teve, então, a idéia de chamar Bacharach para ajudá-lo na empreitada. A belíssima “God Give Me Strength” foi, portanto, concebida a quatro mãos, compasso a compasso, via fax entre os Estados Unidos (onde vive Bacharach) e a Irlanda (onde Costello passava férias).

O ótimo resultado da parceria fez com que ambos se sentissem encorajados para conceber um disco inteiro juntos. Assim surgiu o refinado Painted From Memory, que apresenta onze canções então inéditas da dupla, com a adição de “God Give Me Strength”. E que completa uma década de lançamento esse ano.

Qualquer pessoa que conhecesse minimamente o trabalho dos dois artistas poderia imaginar que a junção da fina ironia das letras de um craque como Elvis Costello às melodias e impecáveis arranjos de cordas e metais de um gênio como Burt Bacharach teria gigantescas chances de acerto.

Pois é. Não deu outra.


Álbum mistura melancolia e ironia à leveza quase pop

Só poderia existir, talvez, uma única ressalva: que Costello talvez não estivesse apto a interpretar os biscoitos finos produzidos por Bacharach. Ledo engano. Com sua voz... hum, peculiar, o sr. Declan MacManus (nome verdadeiro de Elvis Costello) acabou se revelando, surpreendentemente, um crooner... digamos, singular para as novas pepitas do autor de “I Say A Little Prayer”. E ele prova isso já na faixa que abre o disco, a intensa “In The Darkest Place”.

A canção seguinte, “Toledo” (que é o nome de cidade na Espanha), conta a estória de um indivíduo que tenta contornar sua situação com a patroa, depois que esta descobre uma pulada de cerca, através de um recado que a amante deixa na secretária eletrônica da residência: “Não adianta dizer que eu te amo/ e que aquela moça nada significou para mim./ Porque se alguém olhasse nos seus olhos/ não é o perdão que conseguiria ver”.

Em “I Still Have That Other Girl”, o piano de Bacharach e a interpretação pungente de Costello constituem um casamento simplesmente perfeito. Não por acaso, a canção faturou uma estatueta do Grammy no ano de 1999.

Outro destaque é “Tears At The Birthday Party”, cuja letra mostra um homem que começa a lembrar do seu passado, enquanto espia da calçada, desolado, a ex-esposa comemorando o aniversário ao lado do novo marido. E o eu-lírico da narrativa, em um sarcasmo típico de Costello, ainda aproveita para rogar uma praga no seu rival: “Um dia, sei que ele se esquecerá/ de dar os cumprimentos que você espera”.

Aliás, não há uma faixa sequer desse CD que seja dispensável ou mesmo “coadjuvante”. Até mesmo as melancólicas “My Thief”, “What's Her Name Today?” e, principalmente, “This House Is Empty Now” têm o seu (enorme) encanto.


A faixa-título é um capítulo à parte

Costello declarou que estava se divorciando quando escreveu as letras desse álbum. E qualquer um pode perceber que o estado de espírito do compositor inglês acabou, naturalmente, vazando no trabalho. E Bacharach, com a experiência de vários casamentos acabados, também sabe o que é uma desilusão amorosa.

Mas nem tudo é só tristeza e ironia. O disco também têm os seus momentos de leveza quase pop, como “Such Unlikely Lovers”, a linda “The Sweetest Punch” e “The Long Division”, bastante identificadas com o estilo easy-listening de Burt Bacharach.

A faixa-título, no entanto, é um capítulo à parte. Escrita com um rigor cirúrgico, respeitando cada nota, a letra fala de alguém que revira o baú das próprias recordações para tentar pintar em uma tela o rosto da mulher amada – que, obviamente, está distante (“Tento capturar aqueles olhos/ eles estão perdidos para mim, para sempre/ eles sorriem para outro alguém./ (...) Então, isso tem que ser pintado de memória”). A delicada (e excepcional) melodia, de uma tristeza sem fim, seria capaz de comover até mesmo um tijolo. Se os seus olhos encherem d'água ao ouvir essa canção, não se constranja – anormal seria se isso não acontecesse. A supracitada “God Give Me Strength” fecha os trabalhos.


Sinatra poderia vir a gravar uma dessas canções

Painted From Memory recebeu, na ocasião de seu lançamento, as mais entusiasmadas críticas de veículos de todas as partes do mundo, inclusive do Brasil. É provável que Frank Sinatra – que, coincidentemente, faleceu meses antes desse álbum ser lançado – talvez viesse a gravar uma dessas faixas. Na verdade, é espantoso que Tony Bennett, por exemplo, ainda não tenha feito isso.

Contud, ainda mais espantoso (será que deveríamos realmente nos espantar com isso, considerando como raciocinam as gravadoras?) é constatar que um trabalho desse calibre encontra-se atualmente fora de catálogo no Brasil.

Mas não se aflija: as “importadoras” estão aí para isso mesmo...




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Veja o vídeo de “God Give Me Strength:

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Morrissey em revisão


CD
Greatest Hits (Universal Music)
2008

Resenha publicada originalmente no jornal IM - INTERNATIONAL MAGAZINE, edição nº 143 (junho de 2008).


Coletânea tenta alçar as (boas) faixas recentes do ex-vocalista dos Smiths à condição de clássicos

Nos primeiros anos após a dissolução dos Smiths – a banda inglesa se separou em 1987 –, Morrissey editou álbuns apenas regulares, como Viva Hate, seu primeiro disco solo, de 1988, e Kill Uncle, o segundo, de 1991. Mesmo assim, Mozz sempre conseguiu emplacar hits eventuais como “Suedehead”, o single “The Last Of The Famous International Playboys” e a tristonha “Everyday Is Like Sunday” (“Todos os dias parecem domingos./ Todos os dias são silenciosos e cinzentos”). Nada, no entanto, que se comparasse ao seu antigo grupo.

Em seu terceiro álbum, o bardo de Manchester parecia ter reencontrado o caminho do gol. O surpreendente Your Arsenal, de 1992, foi bem recebido pela crítica e sinalizava uma reabilitação – impressão confirmada nos trabalhos seguintes, Beethoven Was Deaf (gravado ao vivo em 1993) e Vauxhall And I (de 1994).

O marasmo, no entanto, retornaria em Southpaw Grammar (de 1995), persistindo em Maladjusted (de 1997). Parecia claro: o artífice de pérolas dos Smiths como “Ask” e “There Is A Light That Never Goes Out” havia se tornado um has been.

Entretanto, após sete anos de silêncio, Morrissey conseguiu aquilo em que ninguém mais acreditava: sua redenção artística. Em You're The Quarry, editado pela modesta Attack/Sanctuary, o cantor ressurge ácido como há muito não se via, sem demonstrar o menor sinal de cansaço. O mesmo vale para o seu disco mais recente, Ringleader Of The Tormentors, de 2006, gravado em Roma, cidade em que reside atualmente.

E, bem, todos sabem que, no mercado fonográfico, um momento propício de uma artista sempre pede uma... Sim, exatamente: uma coletânea. Justamente por isso, acaba de chegar ao Brasil, via Universal Music, a compilação Greatest Hits.

Lançado também em vinil duplo (o rótulo do CD até emula, jocoso, o design de uma antiga bolacha), o álbum, obviamente, não deixa de trazer os primeiros sucessos solos do cantor: as supracitadas “Suedehead”, “The Last Of The Famous...” e “Everyday is Like Sunday”, além da bela “The More You Ignore Me, The Closer I Get”. Mas acaba ficando só nisso. Nada de “We Hate It When Our Friends Become Successful”, “Hold On To Your Friends” ou “November Spawned A Monster”. A intenção desse Greatest Hits, na verdade, é outra.

O repertório desse disco é formado basicamente por fonogramas dos dois álbuns pós-ressurreição de Morrissey, como a ótima “Irish Blood, English Heart”, “You Have Killed Me”, “In The Future When All's Well” e “The Youngest Was The Most Loved”, entre outras.

Morrissey, na verdade, já teve três outras coletâneas dignas de registro (e, sinceramente, bem mais atraentes do que essa recém-lançada): Bona Drag, interessante reunião de singles e lados B, editada em 1988; a boa Suedehead: The Best Of..., de 1997; e The Best Of..., de 2001, que possui duas faixas a mais do que a anterior. De modo que, se você tem uma das três – preferencialmente a terceira – e também os dois últimos álbuns de estúdio do cantor, os já mencionados You're The Quarry e Ringleader Of The Tormentors, poderia muito bem dispensar esse Greatest Hits.

Só que ninguém joga para perder, certo? E a gravadora, para que esse produto tivesse um gancho, incluiu duas músicas inéditas: “All You Need Is Me” e “That's How People Grow Up”, ambas bem bacanas, aliás. E isso obriga a quem realmente é fã do cara a não abrir mão dessa compilação.

Existe, contudo, uma versão deluxe, importada, que traz um CD bônus com faixas gravadas na apresentação do cantor no Hollywood Bowl. Essa, sim, vale a pena.



Veja o vídeo de “Irish Blood, English Heart:

Milton Nascimento: ‘pororoca’ de gênios


CD
Novas Bossas (EMI)
2008

Resenha publicada originalmente no jornal IM - INTERNATIONAL MAGAZINE, edição nº 143 (junho de 2008).


Em 'Novas Bossas', Milton abraça o DNA jobiniano

A primeira vez em que Milton Nascimento explicitou sua admiração pela música de Antônio Carlos Jobim foi em 1970, quando regravou “A Felicidade” em Milton, seu quarto álbum. Nem todos sabem, mas o cantor era considerado pelo autor de “Meditação” o melhor intérprete de suas canções. “O único que respeita as tonalidades originais”, dizia o Maestro Soberano. Por conta disso, Tom acalentava o desejo de que, um dia, Bituca regravasse – pasmem – toda a sua obra.

Seis anos após o seu último trabalho, o ótimo Pietá – e aproveitando os 50 anos da Bossa Nova –, Milton retribui o afeto e homenageia a memória de Jobim em Novas Bossas (EMI), gravado no estúdio que possui em sua casa, no Rio de Janeiro. O disco conta com a colaboração mais do que especial do Jobim Trio.

Formado por Paulo e Daniel Jobim – respectivamente, filho e neto de Tom – e Paulo Braga, o Jobim Trio acompanha Milton em versões corretas de clássicos jobinianos como “Samba do Avião”, “Chega de Saudade”, “Caminhos Cruzados” e “Inútil Paisagem”, entre outros. Destaque também para “Medo de Amar”, bissexta composição solitária de Vinícius de Moraes, “O Vento”, de Dorival Caymmi, e a inédita “Dias Azuis”, de Daniel Jobim.

Nesse projeto, Milton também relê canções suas como “Tudo O que Você Podia Ser”, “Cais” (ambas da obra-prima Clube da Esquina, de 1972) e “Tarde”, faixa gravada pela primeira vez em seu terceiro álbum, epônimo, de 1969.

Triste, no entanto, é perceber, em alguns momentos do álbum, que a performance vocal de Milton Nascimento já não é mais a mesma. Talvez por uma contingência etária – o artista completará 66 anos em outubro –, talvez pela batalha diária contra a diabetes. Entretanto, isso não desqualifica o trabalho. Muito pelo contrário. Afinal, 85% de Milton ainda é melhor do que muito cantor brasileiro elevado ao cubo...



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Veja o vídeo de “Chega de Saudade:

Brilha a luz dos Stones


CD
Shine A Light (Universal Music)
2008

Resenha publicada originalmente no jornal IM - INTERNATIONAL MAGAZINE, edição nº 142 (maio de 2008).


Banda inglesa ainda mostra vitalidade na trilha do documentário de Scorsese

Depois de Bob Dylan em No Direction Home (2005), é a vez dos Rolling Stones serem retratados pela lente do diretor Martin Scorsese no show-documentário Shine A Light. Até o fechamento dessa edição do INTERNATIONAL MAGAZINE, o filme ainda não havia entrado em cartaz nos cinemas brasileiros - a estréia foi no dia 04 de abril. A trilha sonora, no entanto, chegou às lojas, via Universal. Esse é o primeiro trabalho que os Stones editam nessa gravadora, depois de anos na EMI.

Disponível em CD duplo, Shine A Light traz o áudio das duas apresentações realizadas no Beacon Theatre, Nova York, nos dias 29 de outubro e 01 de novembro de 2006, filmadas por Scorsese para a realização da película.

Como em qualquer show dos Stones, estão presentes aqueles infalíveis cavalos-de-batalha que a banda obrigatoriamente tem que tocar - se não quiser que o povo peça o dinheiro de volta -, como “Start Me Up”, “Brown Sugar”, “Jumpin' Jack Flash”, “Sympathy For The Devil” e, claro “Satisfaction”. Os Stones, no entanto, têm se dedicado recentemente a resgatar, do seu baú aparentemente sem fundo, alguns lados B que são, na realidade, verdadeiras pérolas obscuras.

Dessa forma, do ótimo álbum Some Girls (1978), a banda, acertadamente, retomou “Shattered”, o cover de “Just My Imagination” e a balada country “Faraway Eyes”, além da debochada faixa-título. Já do clássico Exile On Main Street (1972), os Stones incluíram no roteiro “All Down The Line”, “Tumbling Dice”, “Shine A Light” (a bela canção gospel que batiza o documentário) e a acústica “Loving Cup”, com a participação de Jack White, metade do duo The White Stripes.

Shine A Light ainda traz como convidados especiais o septuagenário Buddy Guy - no blues “Champagne & Reefer”, do mestre McKinley Morganfield, mais conhecido como... Muddy Waters - e uma inesperada Christina Aguilera, que, vá lá, não chegou a estragar “Live With Me” (embora tenha berrado muito mais do que qualquer fã dos Stones desejaria ouvir). A banda ainda fez a gentileza de tocar “I'm Free”, “Paint It Black” e a tristonha “As Tears Go By”, há muito ausente do repertório da banda.

Para evitar aquela velha conversa de que “as pedras ainda rolam” (provavelmente ninguém mais deve aturar ler/ouvir isso), troquemos de clichê: a “luz” dos Rolling Stones ainda brilha. Forte.



Veja o vídeo de “Shattered:

The Feeling ataca novamente


CD
Join With Us (Island Records, importado)
2008

Resenha publicada originalmente no jornal IM - INTERNATIONAL MAGAZINE, edição nº 142 (maio de 2008).


Grupo inglês encara o desafio do segundo álbum. E consegue se sair bem.

“Sewn”, primeiro single de Twelve Stops And Home, de 2006, álbum de estréia do grupo inglês The Feeling, entrou direto na sétima posição do top 10 britânico. Melancólica canção pop que, sério, não constrangeria Paul McCartney (as harmonias vocais, aliás, soam bem Beatles), “Sewn”, mesmo não tendo obtido o êxito merecido no Brasil, ainda cometeu a façanha de ser incluída na trilha do game FIFA 07. O que acabou trazendo mais visibilidade para o álbum no Velho Continente.

E todos sabem que, quando um artista alcança bons resultados em seu primeiro trabalho, é natural que exista uma expectativa extra em relação ao disco seguinte. E é nesse clima que o quinteto lança Join With Us, seu segundo álbum.

Formado por indivíduos originários de Sussex e Londres, The Feeling não chega a ser um Oasis (bem... isso quando a banda de Noel e Liam Gallagher era algo promissor). Mas o grupo possui canções pop decentes, na melhor tradição da Terra da Rainha.

Na bolacha recém-lançada, a banda preferiu lançar mão da velha máxima futebolística do time-que-está-ganhando. A exemplo do anterior, o CD se mantém na seara do soft-rock e até que desce direitinho, podendo ser assimilado desde a primeira audição. Destaque para “This Time”, “Spare Me” e a faixa-título - bem bacana, por sinal.

O álbum já gerou dois singles: a eletrônica “I Thought It Was Over” e a balada “Without You”, que tem todo jeitão de hit. Detalhe: seguindo os passos de Twelve Stops And Home, Join With Us também entrou no top 10 da Inglaterra logo na semana de lançamento. Mas com uma diferença: ao contrário de seu antecessor, foi direto para o primeiro lugar.

(De qualquer forma, fica a sugestão: procure ouvir a supracitada “Sewn”, do álbum anterior, para saber onde isso tudo começa.)



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Meio século de Cazuza


Artigo publicado originalmente no jornal IM - INTERNATIONAL MAGAZINE, edição nº 142 (maio de 2008)


Como estaria o poeta aos 50 anos de idade? E como está atualmente o seu catálogo?
Se não tivesse partido tão precocemente aos 32, Cazuza teria completado 50 anos no último dia 04 de abril. E, considerando a inquietação de Agenor de Miranda Araújo Neto, é impossível estar diante dessa efeméride sem se perguntar: do ponto de vista artístico, como estaria o Exagerado hoje em dia?

Será que, a exemplo de Raul Seixas, ele teria mantido o seu laço com o rock'n'roll? Teria Cazuza aprofundado o seu envolvimento com a MPB - explicitado em “Um Trem Para as Estrelas” (parceria com Gilberto Gil), “Codinome Beija-flor” e a bossa “Faz Parte do Meu Show”? Ou flertaria com a eletrônica que esteve em voga na década de 1990 através de grupos tão diferentes entre si como Prodigy e Portishead?

Lamentavelmente, jamais saberemos.

Quase dezoito anos após o seu desaparecimento, praticamente tudo já foi dito sobre Cazuza: sua brilhante passagem pelo Barão Vermelho; sua obra, gravada pela fina flor da música brasileira - de Caetano Veloso a Rita Lee, passando por Ney Matogrosso, Gal Costa e Maria Bethania, entre muitos outros. E, obviamente a sua luta pública contra o HIV.

O que nem é sempre é comentado é o catálogo do poeta.


Não existe um DVD do cantor

Os discos de Cazuza que foram editados pela Som Livre - os quatro álbuns gravados como vocalista do Barão e o seu primeiro trabalho solo, Cazuza, de 1985 - permanecem em catálogo e são relativamente fáceis de se encontrar. O mesmo vale para os títulos da Universal, antiga Polygram - que vão do segundo LP solo, o bom Só se For A Dois, até o póstumo, Por Aí -, disponíveis em edições até bem decentes. O que realmente impressiona é constatar que, com exceção do registro do show do Rock In Rio I do Barão Vermelho, não há um DVD sequer do artista.

Não, você não leu errado: por mais incrível que possa parecer, não existe um DVD solo de Cazuza (!).

Há, contudo, rumores de que essa lacuna será preenchida ainda em 2008, com o lançamento de DVD contendo um especial exibido pela Rede Globo em 1989 - provavelmente Uma Prova de Amor, gravado durante a temporada de Ideologia, sua derradeira (e definitiva) turnê. O audiovisual traria nos extras uma aparição do artista em um outro programa da emissora, de 1985.

Bem, torçamos para que esse prognóstico se concretize. Afinal, a obra de Cazuza merece respeito.

(Continua, entretanto, sem previsão de lançamento o show realizado em 1987 no Teatro Ipanema, Rio de Janeiro, em que Cazuza promovia o seu segundo álbum solo, o já mencionado Só se For A Dois. Exibida pela extinta Rede Manchete, a apresentação, por ironia, circula livremente pela Internet.)

Entrevista: Big Gilson*


Entrevista publicada originalmente no jornal IM - INTERNATIONAL MAGAZINE, edição nº 142 (maio de 2008). Disponível também no portal LET'S ROCK.


O homem do blues

Fundador da extinta Big Allanbik - uma das pioneiras bandas de blues do Brasil - Big Gilson possui uma agenda bastante regular de shows no exterior e promove atualmente o seu último álbum, Chrysalis, que conta com a participação do recém-falecido músico inglês The Wolf.

Em entrevista por e-mail ao INTERNATIONAL MAGAZINE, Big Gilson fala com bom humor dos motivos que o levaram a se tornar músico (“O nosso ex-presidente Collor me deu uma ‘força’”), sua participação no projeto do Álbum Branco, dos Beatles, suas maiores influências, e também de projetos futuros. E não esconde a emoção pelas palavras que recebeu de ninguém menos que o mestre B. B. King: “Quando vejo um jovem tocando blues tão bem assim - e tão longe da América -, sinto que minha missão nessa vida está cumprida”.



Gilson, em que momento da sua vida você decidiu “quero ser músico”? E o que - ou quem - levou você a tomar essa decisão?

O nosso ex-presidente Fernando Collor me deu uma “força”. Eu tinha uma loja de móveis e já havia formado a Big Allanbik, quando nosso presidente confiscou nosso dinheiro e a minha loja quebrou. Foi o empurrão que faltava para eu decidir me dedicar integralmente à musica.


Conte-nos sobre o seu encontro com The Wolf e como surgiu a idéia dessa colaboração, o Chrysalis.

Fomos apresentados um ao outro quando de uma das minhas turnês pela Europa, por um DJ Argentino. Desse momento em diante, estabeleceu-se uma grande amizade e afinidade musical. O fruto deste encontro está registrado neste CD.


O que você sentiu ao dividir o palco com uma lenda como B.B. King - e ainda receber elogios dele?

Eu diria que foi um dos momentos máximos da minha carreira, uma emoção incrível. Foi muito difícil segurar a emoção nesse momento.


Quais são as suas maiores influências?

Johnny Winter, Eric Clapton, Buddy Guy, Albert Collins, Freddie King, e mais um monte de negros da antiga.


E atualmente, O que você tem ouvido?

Ian Siegal e Delta Moon.


E os seus próximos projetos? Você já tem algo em mente para o sucessor do Chrysalis?

Sim, já estou gravando um novo álbum, que se chamará Sentenced To Living. Ele será lançado primeiro na Europa e depois por aqui. Assinei com um selo inglês novo, chamado Lightning Fingers. Aliás, essa música que dá título ao CD, é uma parceria minha com o Sérgio Vid. A idéia surgiu quando estávamos trabalhando na homenagem ao Álbum Branco, dos Beatles.


Recentemente, você foi convidado para participar de um projeto sobre o lendário Álbum Branco, dos Beatles. Pode nos falar sobre isso?

É uma tremenda honra participar desse projeto homenageando a mais influente banda de todos os tempos. Eu ouvia Beatles quando ainda não sabia tocar guitarra, então aprender a tocar Beatles agora é uma sensação de redescoberta para mim. Ao meu lado, estará o cantor que é meu amigo Sergio Vid, que foi vocalista do Sangue da Cidade e líder do Vid & Sangue Azul.


E shows?

Acabo de retornar de uma turnê Canadá- EUA. Foi minha primeira vez no Canadá e o sucesso foi incrível, inclusive rendendo convite para retornar em abril de novo para outro tour. Entre essas duas, fora shows pelo Brasil, estarei embarcando quarta feira próxima para um outro tour no Reino Unido.


*Colaborou ELIAS NOGUEIRA

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Bob Dylan: veja o filme e ouça o disco



CD
I'm Not There - Original Soundtrack (Sony & BMG, importado)
2007


Resenha publicada originalmente no jornal IM - INTERNATIONAL MAGAZINE, edição nº 141 (abril de 2008). Disponível também no portal LET'S ROCK.



A trilha sonora de ‘I'm Not There’, cinebiografia de Bob Dylan, tem vida própria

Tendo estreado no Estados Unidos em novembro - no Brasil, três meses depois -, I'm Not There, cinebiografia de Bob Dylan, tem recebido críticas bastante positivas. E muito desse entusiasmo deve-se à maneira nada linear com que Todd Haynes decidiu contar a trajetória do bardo americano: o diretor estruturou a trama em várias estórias que não se relacionam entre si. O objetivo era retratar, ainda que de modo fragmentado, os momentos mais marcantes da vida daquele que é um dos mais influentes artistas do século XX.

Além disso, Haynes utilizou seis (!) atores para interpretar as várias facetas de Dylan. Entre eles, Richard Gere, Christian Bale (o homem-morcego de Batman Begins e do ainda inédito The Dark Knight), o recém-falecido Heath Ledger (o Coringa do já mencionado The Dark Knight) e até uma mulher, a atriz Cate Blanchett - que, curiosamente, foi quem mais se assemelhou fisicamente com o autor de “Blowin' In The Wind”. E tão interessante quanto o filme é a sua trilha sonora, apresentada em CD duplo.


A faixa-título aparece em duas versões


Para a gravação do álbum, foi criada, inclusive, uma banda, a Million Dollar Bashers. Arregimentada por Lee Ranaldo (Sonic Youth), a MDB tem entre seus integrantes Tom Verlaine (do Televison), Steve Shelley (também do Sonic Youth), Tony Garnier (baixista de Dylan) e Nels Cline (do Wilco). O grupo toca em cinco músicas, cada qual com um vocalista diferente - como, por exemplo, em “Cold Irons Bound” com o próprio Verlaine; “Maggie's Farm”, na voz de Stephen Malkmus (ex-Pavement); e “All Along The Watchtower” (imortalizada por Jimi Hendrix), na companhia de Eddie Vedder, do Pearl Jam.

A banda Calexico desempenha função semelhante no CD, servindo de acompanhante para, entre outros, o veterano Willie Nelson (“Señor (Tales of Yankee Power)”) e para Charlotte Gainsbourg (“Just Like a Woman”).

A faixa-título está presente em duas versões: uma na voz do próprio Bob Dylan, acompanhado pela The Band - gravação somente agora lançada com a autorização do autor (até então, só havia sido editada no “bootleg” The Genuine Basement Tapes, vol 2); e a outra, trazida para o universo do supracitado Sonic Youth.

Destaque também para a versão de “Simple Twist of Fate”, gravada por Jeff Tweedy, líder do Wilco, grupo considerado um dos maiores expoentes do chamado alt.country - e, portanto, familiarizado com a sonoridade de Dylan. Jack Johnson consegue se sair bem em “Mama You've Been on My Mind/A Fraction of Last Thoughts on Woody Guthrie”. E o mesmo vale para Mark Lanegan em “The Man in the Long Black Coat” e, especialmente, para o menino Marcus Carl Franklin (um dos seis “Dylans” do filme), com uma segurança típica de gente grande em “When the Ship Comes In”.

I'm Not There é um caso raro de trilha que sobrevive independentemente da película, resultando em uma boa opção para se ouvir abordagens diferentes da obra de Bob Dylan. E vale lembrar que, para promover o seu mais recente álbum de inéditas, o ótimo Modern Times (de 2006), o lendário músico tem três shows de sua Never Ending Tour agendados para março no Brasil: dois em São Paulo (no Via Funchal) e um Rio de Janeiro (no Rio Arena).

The Police: ‘Synchronicity Concert’ é finalmente lançado em DVD


DVD
Synchronicity Concert (Universal)
2008

Resenha publicada originalmente no jornal IM - INTERNATIONAL MAGAZINE, edição nº 141 (abril de 2008).
Disponível também no portal LET'S ROCK.


Aproveitando a bem-sucedida vinda do Police ao Brasil, gravadora lança inédito registro audiovisual de turnê do trio

Em resposta ao CD Zero da Sony & BMG, a Universal criou a série MusicPac, que disponibilizou CDs de áudio nacionais e internacionais em embalagens digipack, com preços promocionais. O aparente êxito da empreitada fez com que a gravadora investisse também na reedição de DVDs. E, entre os títulos apresentados, existe um que merece atenção especial: Synchronicity Concert, do Police. Gravado em novembro de 1983, em Atlanta - e lançado no exterior em 2003 -, o trabalho permanecia inédito em DVD no Brasil.

A turnê promovia o quinto e mais bem-sucedido trabalho da banda, Synchronicity - ironicamente, também o último -, que continha hits como “King of Pain”, “Wrapped Around Your Finger”, “Tea In The Sahara” e o clássico “Every Breath You Take”.

Aliás, das onze faixas de Synchronicity, apenas três não foram executadas: a ótima “Murder By Numbers” (provavelmente pela complexidade de seu arranjo) e as dispensáveis “Miss Gradenko” e “Mother”. O set list ainda trazia sucessos anteriores como “Walking On The Moon”, “Message In a Bottle”, “De Do Do Do De Da Da Da” e “So Lonely”, entre outros.

A introdução de “Walking In Your Footsteps” tem a peculiaridade de ser pontuada por uma indígena flauta de pã, exatamente como Sting tem feito durante a atual Reunion Tour. E a fusão “Can't Stand Losing You/ Reggatta de Blanc” que quase pôs o Maracanã abaixo também já aparecia nesse show.

Entretanto, apesar do sucesso da turnê, pode-se dizer que esse não foi o melhor momento ao vivo da carreira do grupo. Explico: a técnica instrumental de Stewart Copeland, Andy Summers e Sting já era indiscutível na ocasião e o repertório do trio, irrepreensível. Contudo, sabe-se lá Deus por que, o Police decidiu colocar no palco... três saltitantes vocalistas femininas. Bem, nada contra backing vocalistas - sobretudo se forem... , bem apessoadas. Mas o fato é que as intervenções das meninas acabaram colocando, digamos... um “glacê” absolutamente desnecessário nos arranjos habitualmente enxutos do grupo.

De qualquer forma, Synchronicity Concert é apresentado com opções de áudio 2.0 e 5.1. Nos extras, quatro canções em multi-ângulo (“Synchronicity II”, “Roxanne”, “Invisible Sun” e “Don't Stand So Close To Me”), trailer da turnê e entrevista com os três integrantes, concedida em 1984 em Melbourne, Austrália. Trata-se, portanto, de uma memorabilia essencial para os fãs do grupo.

Pixies revisitado

CD
Bluefinger (Deckdisc)
2007


Ex-vocalista volta a assinar como Black Francis, além de retornar à sonoridade de seu extinto grupo


Para aqueles que sentem saudade do Pixies, a notícia é boa: pela primeira vez, após doze discos solo, o ex-vocalista do quarteto de Boston, Frank Black, volta a assinar como Black Francis, como nos seus tempos de banda. E isso não foi por acaso: em seu novo trabalho, Bluefinger (que saiu no exterior em 2007 e recebe agora versão nacional da Deckdisc), o rotundo músico emula a sonoridade de sua extinta banda, um dos nomes mais influentes do rock alternativo americano, com fãs ilustres como Kurt Cobain.

Reaparecem com toda a força as guitarras distorcidas, a voz gutural e os backing vocals femininos (agora a cargo de Violet Clark, atual esposa de Francis), marcas registradas do som do Pixies. A pancadaria melódica começa logo na primeira faixa, “Captain Pasty”, e prossegue em “Your Mouth Into Mine”, “Threshold Apprehension” e na ensandecida “You Can't Break A Heart And Have It”. Mas o disco também tem pop (“She Took All The Money” e “Lolita”), blues (“Test Pilot Blues” e a faixa-título) e até country (“Angels Come To Comfort You”), tudo nos conformes.

É bem provável que Francis jamais realize sozinho um álbum como o clássico Doolittle, de 1989, que trazia faixas do quilate de “Monkey Gone To Heaven”, “Wave Of Mutilation”, “There Goes My Gun” e a infecciosa “Here Comes Your Man”, entre outras. Mas, se compararmos com boa parte do rock contemporâneo, Bluefinger exala frescor e consegue manter um bom nível.

Em entrevistas para divulgação do álbum, Black Francis declarou que adoraria ver o Pixies novamente em estúdio. A baixista Kim Deal, atualmente no Breeders, além de rechaçar a idéia, acusou Francis de só mencionar uma possível volta do grupo quando lança disco novo, como “tentativa de autopromoção”. O quarteto fez uma turnê mundial em 2004 (tendo realizado, inclusive, uma apresentação antológica no Curitiba Pop Festival), mas o último álbum de inéditas, Trompe Le Monde, foi editado em 1991.

The Police: somos História



Show

The Police - Live in Rio
Data: 08 de dezembro de 2007
Local: Estádio do Maracanã - Rio de Janeiro



Police concretiza o que todos imaginavam: uma apresentação antológica no Estádio do Maracanã

Antes de qualquer coisa, é necessário considerar as circunstâncias: o Police, no auge do sucesso, após a Synchronicity Tour, entrara em um recesso do qual não retornaria. As brigas internas foram o principal motivo da ruptura, mas some-se a isso o desejo de liberdade artística por parte de Sting.

Quando indagado sobre um possível retorno do grupo, o vocalista era taxativo: “Uma volta do Police? Sem mim!”. Ou pior: “se um dia eu voltar para o Police, será o meu certificado de insanidade.” Enfim, mesmo com os três integrantes vivos, a possibilidade de um retorno do Police era tão remota quanto uma volta... dos Beatles.

Essas adversidades justificaram o espanto do planeta diante da apresentação do trio na entrega do Grammy de 2007. E o espanto foi ainda maior no dia seguinte, quando foi feito o anúncio de um giro mundial do grupo. Ninguém aqui no Brasil, contudo, esperava que a turnê pudesse passar por essas plagas. Portanto, quando foi confirmado de que haveria uma única - sim, apenas uma - apresentação em terras brasileiras, no Estádio do Maracanã, era de esperar que seria algo singular. Não deu outra.

E assim, 74 mil pessoas estiveram presentes em um evento cujo ingresso mais barato custava R$ 160,00. Mas o investimento valia a pena.



Paralamas mostram que a escolha foi acertada


Seria uma enorme injustiça resumir em duas ou três linhas o show de abertura realizado pelos Paralamas do Sucesso. Quando os telões se acenderam (sim, o Police permitiu que os Paralamas utilizassem os telões) e os acordes iniciais de ancestral “Vital e Sua Moto” se fizeram ouvir, a reação do público foi imediata. E avassaladora.

Com petardos como “Trac Trac”, “Alagados”, uma pesadíssima “Mensagem de Amor” e baladas como “Lanterna dos Afogados” e “Cuide Bem do Seu Amor”, o trio simplesmente estraçalhou, realizando um show que - sem “patriotada” - nada deveu aos donos da festa. Aliás, pela identificação com o Police no início da carreira, os Paralamas eram a banda mais apropriada para estar ali naquele momento.

Além disso - independentemente da questão da influência -, a banda brasileira, ao vivo, continua sendo uma verdadeira máquina. João Barone, todos sabem, é um monstro das baquetas. Bi Ribeiro recebeu elogios até mesmo de Sting (o inglês visitou o camarim e teria dito ao baixista: “Você é o melhor. E sabe disso”). E Herbert Vianna parece aprimorar cada vez mais a sua destreza na guitarra.

O líder dos Paralamas, aliás - pelo autor que é, e pela maneira digna que vem enfrentando as seqüelas do terrível acidente que vitimou sua esposa, Lucy Vianna -, merecia esse momento de consagração. Digo mais: a despeito de seus problemas de locomoção, Herbert Vianna (mesmo sem jamais ter sido um grande “cantor”, na acepção da palavra) é muito mais intenso e competente em cima de um palco do que muito vocalista brasileiro que caminhe normalmente.

Em um repertório de quatorze músicas bem escolhidas (e contando com a participação do guitarrista Andreas Kisser, do Sepultura, em seis), os PDS pareciam em paz com o seu passado e orgulhosos de sua trajetória. E, devido ao tempo reduzido, ainda se deram ao luxo de deixar de fora sucessos como “Me Liga”, “Uns Dias” e a tocante “Busca Vida”, entre outras.

Não resta dúvida: os Paralamas do Sucesso são uma instituição do rock nacional. E não se fala mais nisso.



Na terceira música, a platéia já estava na mão do Police


Uma hora após o show dos Paralamas, as luzes do estádio foram apagadas e - como tem acontecido nas demais apresentações do Police ao redor do mundo - os amplificadores começaram a tocar a poderosa “Get Up, Stand Up”, na gravação original de Bob Marley & The Wailers. Ao término da canção, o kit de bateria de se ergue do chão e Stewart Copeland soa um gongo. O guitarrista Andy Summers surge pela direita do palco, mandando o riff mortífero de “Message In a Bottle”. Sting, então, entra pela esquerda como quem “anuncia um assalto”, portando um (bastante adequado) contrabaixo todo detonado.

Outro riff célebre anunciou a canção seguinte, a áspera “Synchronicity II”. Os telões, então, se acenderam, oscilando furiosamente nas cores azul, vermelho e amarelo da capa do disco homônimo. E o encadeamento dessa música com a anterior ocorreu de modo tão natural que ambas pareciam gêmeas siamesas.

A linda “Walking On The Moon”, composta por um apaixonado Sting para a sua primeira namorada - Deborah Anderson, falecida no final dos anos 70, quando ele já estava em seu primeiro casamento - foi o momento de “acalmar os ânimos”. A resposta do público aos improvisos da canção deixou claro: na terceira música, a platéia já estava na mão do trio. Por falar em trio: durante o show inteiro, permaneceram apenas os três músicos no palco - sem tecladista, percussionista, vocalistas, nada disso. E logo se percebeu que eles simplesmente... bastavam-se.

O vocalista, gentil, se dirigiu à platéia lendo algumas palavras em português (lembrando bastante a entonação do falecido Papa João Paulo II) e cantou quatro faixas de Zenyatta Mondatta (1980), o ótimo terceiro disco da banda: “Voices Inside My Head”, “When The World Is Running Down You Make The Best Of What's Still Around”, “Don't Stand So Close To Me” e a politizada “Driven To Tears” (cuja letra fala da fome em Biafra, território pertencente à Nigéria).

Seguiram-se então dois lados B de Outlandos d'Amour (1978), o primeiro álbum do trio: “Hole In My Life” e “Truth Hits Everybody”, recebidas pelo público com respeito - mas com pouco entusiasmo. “Every Little Thing She Does Is Magic” foi um momento, com o perdão do simplismo... hum, mágico. Mesmo sem os teclados da gravação original, a canção foi executada com a energia de sempre.



'Reggatta de Blanc': transe coletivo

Na sinuosa “Wrapped Around Your Finger”, que ganhou ares de bossa, Stewart Copeland se deslocou da percussão para a bateria e, por fim, para o xilofone, em um show à parte. “De Do Do Do De Da Da Da” foi um dos pontos altos do show, com seu refrão cantado a plenos pulmões pelo público.

No segundo momento politizado da noite, “Invisble Sun” (“não quero jamais fazer parte de uma estatística governamental”, diz a amarga letra), os telões ficaram em preto-e-branco, exibindo imagens da miséria no continente africano. Curioso foi ver Sting, na introdução de “Walking In Your Footsteps”, tocando um instrumento indígena chamado flauta de pã. Bem, já na Synchronicity Tour, última turnê do grupo, ele fazia a mesma coisa. Mas que muita gente deve ter pensado que era alguma menção ao cacique Raoni, ah, isso deve...

O cantor emendou à “Can't Stand Losing You” a bombástica instrumental “Regatta de Blanc”, faixa-título do clássico segundo álbum da banda, de 1979. E a reação da platéia a esse número só poderia ser definida como... um transe coletivo. Um momento para chorar de alegria. Uma incendiária “Roxanne” encerrou a primeira parte do show. O trio retornou ao palco com “King Of Pain”, belíssima, seguida da sempre eficaz “So Lonely”.

Ficou claro que a banda é como um triângulo em que todos os vértices têm a sua importância. Sting, além de artífice das belas canções do grupo, é um grande baixista e um front man seguro e carismático. Andy Summers, com suas inspiradas texturas de guitarra, confere um charme todo especial à sonoridade do trio. E Stewart Copeland... esse dispensa comentários. É simplesmente uma força da natureza.



“Every Breath You Take”: uma dádiva Divina

Quanto à “Every Breath You Take”... Bem, o indivíduo que compõe uma música como essa (certamente uma das mais bonitas do cancioneiro pop mundial ever) pode ter a convicção de que recebeu uma dádiva Divina. Quase um quarto de século após o seu lançamento, a canção que fala do sujeito que foi dispensado pelo seu objeto de desejo, tornando-se obsessivo depois disso - e que acabou sendo percebida pela maioria como uma “musiquinha romântica” -, tem a sua beleza preservada. Na terceira parte, o momento mais forte, em que Sting aumenta o tom e canta “Since you've gone I've been lost without a trace”, pessoas mais fenfíveis eram capazes de se emocionar - esse repórter incluso.

Apesar da atuação impecável, houve quem criticasse a “desaceleração” de uma música aqui, um improviso de jazz ali, não-sei-o-que-mais acolá... De fato, algumas canções foram apresentadas com um andamento mais lento. Mas isso tem explicação: em primeiro lugar, eles já não são, obviamente, os jovenzinhos de outrora.

Segundo, nesses anos pós-Police, o trio teve, isoladamente, muitas experiências musicais. Sting expôs a sua paixão antiga pelo jazz; Summers andou tocando até com Robert Fripp, do King Crimson; e Copeland envolveu-se com trilhas de cinema - a do filme O Que É Isso, Companheiro?, por exemplo, é de sua autoria. Portanto, para que essa empreitada fosse minimamente verdadeira, eles deveriam mostrar os músicos que são hoje.

De qualquer forma, no grand finale com “Next To You”, que abre Outlandos d'Amour, eles carregaram nas tintas e tocaram com espontaneidade e energia punks condizentes com a gravação original.

As ausências do roteiro foram “Bring On The Night” (que sempre funcionou bem ao vivo), “Tea In The Sahara” e “Spirits In The Material World” (para a qual a banda não conseguiu uma solução satisfatória de arranjo).



O futuro da banda é uma incógnita


Após o término da turnê, o futuro do trio é uma incógnita. Não há, a princípio, nenhuma hipótese de um (arriscadíssimo, mas muito bem-vindo) álbum de inéditas. Na verdade, não se comenta sequer sobre um possível registro da turnê - ainda que, na rua Uruguaiana, Centro do Rio, seja facílimo encontrar, em DVD, a íntegra da apresentação, gravada através da transmissão do canal Multishow.

Pode ser que, no final das contas, tudo volte a ser como d'antes no quartel de Abrantes - e essa tenha sido tão somente uma turnê comemorativa, sem nenhum desdobramento. Ainda assim, teremos que ser eternamente gratos à bendita “insanidade” de Sting. As 74 mil pessoas que estiveram no Maracanã no dia 08 de dezembro de 2007 (assim como as milhões que assistiram a esse espetáculo em vários cantos do planeta) presenciaram um momento único, histórico.

E, daqui há alguns anos, teremos mais essa para contar para os nossos netinhos.

Paulinho da Viola: velha intimidade


CD/DVD
Acústico MTV (Sony & BMG)
2007

Resenha publicada originalmente no TOM NETO.COM.


Com seu 'Acústico MTV', Paulinho da Viola realiza um dos melhores trabalhos de 2007

Ainda que muitos considerem a série Acústico MTV um formato esgotado, eis que a emissora paulistana tira um belo coelho da cartola, com o lançamento - em CD e DVD, como é de praxe - do título dedicado a Paulinho da Viola, via Sony & BMG.

A bem da verdade, um acústico de Paulinho tem um quê de redundância, visto que a música de Paulinho jamais foi elétrica. Mas o projeto serve para jogar luz e dar visibilidade a esse que, sem dúvida, é um mestre do samba.

Com a elegância de sempre, Paulinho da Viola apresenta um repertório muito bem escolhido, com sucessos como “Eu Canto Samba”, a politizada “Sinal Fechado” (que fala, de modo cifrado, do silêncio imposto ao país pela ditadura militar), “Coração Leviano”, “Argumento”, “Dança da Solidão” e outros. Entre as inéditas, destaque para “Talismã”, parceria de Paulinho com Marisa Monte e Arnaldo Antunes, que já nasceu clássica.

Seguindo o mesmo raciocínio, seria interessante que a MTV realizasse, com toda pompa e circunstância a que tem direito, um acústico (sem ironia) com ninguém menos que o papa da bossa nova, João Gilberto.