domingo, 7 de janeiro de 2007

Você tira o chapéu para Marisa Monte?


CDs
Infinito Particular
e
Universo ao Meu Redor (Phonomotor/ EMI)
2006


Resenha
disponível também no BLOG DO TOM NETO.



Marisa Monte
é algo ímpar nesse país. Goste-se ou não dela, a cantora é um dos raros casos de música com grande apelo comercial, porém realizada com enorme critério. Marisa foi capaz de compor e gravar uma canção cujo refrão repete como um mantra a frase "Amor I Love You" (sem que isso soasse banal), incluindo a narração de um trecho do belo romance O Primo Basílio, de Eça de Queiroz (sem que isso parecesse pernóstico) e... estourar em todas as FMs.

Inegavelmente, Marisa é uma artista de coragem: em tempos de retranca criativa - onde requentar parece ser mais cômodo do que elaborar um novo cardápio - a cantora lança não um, mas dois CD's, vendidos separadamente. E ambos com repertório inédito. São eles: Infinito Particular e Universo Ao Meu Redor, que saem pela Phonomotor, selo de Marisa (com distribuição pela EMI), seis anos após o seu último de inéditas, o bom Memórias, Crônicas e Declarações de Amor (sem contar o brainstorm pop-concreto gravado com os Tribalistas em 2002).

Sintomaticamente, os trabalhos têm perfis bastante distintos, mas sem que isso traga qualquer indício de esquizofrenia - Marisa sempre trafegou com desenvoltura por territórios variados. Desde a parte gráfica, fica clara a diferença entre ambos: Universo... investe numa estética algo psicodélica; enquanto o seu correlato possui uma capa totalmente preta.

Infinito Particular é um CD com vocação pop, porém longe da obviedade. Não há nenhuma "Beija Eu" aqui - as músicas são reflexivas, intimistas, com um clima que eventualmente lembra Portishead. As melodias são bonitas, com destaque para a música de trabalho "Vilarejo" e as belas "Pra Ser Sincero" (que já foi parar na trilha da nova novela global das sete) e "Levante". Trata-se, enfim, de um trabalho honesto, bem-cuidado - como de praxe em se tratando de Marisa - mas, sinceramente, nada que vá revolucionar a música brasileira.

Universo Ao Meu Redor é um disco de samba, coerente com o trabalho que Marisa gravou com a Velha Guarda da Portela em 2000 - além de suas boas incursões no gênero ao longo da carreira. Mas engana-se quem, à primeira impressão, pensar que se trata de um álbum coberto de bolor. Absolutamente. Ainda que respeitosa para com a tradição, Marisa consegue imprimir uma aura de contemporaneidade ao CD. Produzido por Mário Caldato Jr., Universo... possui elementos incomuns em discos tradicionais de samba: um efeito na voz aqui, um slide ali, cordas acolá. Muito interessante. Em "Statue of Liberty", "Satisfeito" e "Meu Canário", insólitos efeitos eletrônicos criam uma amálgama inusitada. E em vários momentos do álbum surgem timbres de teclados que JAMAIS seriam ouvidos em um CD de qualquer cantora de samba da qual você se lembre nesse exato instante.

A afinação e o timbre agradabilíssimo de Marisa dispensam comentários. E o repertório - entre antigas pérolas de D. Ivonne Lara, Paulinho da Viola e inéditas autorais totalmente conectadas com a proposta - mantém alto o nível da conversa. Enfim, um trabalho que regozija os apaixonados pela boa MPB.

Tudo bem, alguns chatos podem dizer que Marisa Monte realizou anteriormente trabalhos superiores a esses (como o ótimo Verde Anil Amarelo Cor De Rosa e Carvão, 1995, onde a cantora gravou Velvet Underground e Jorge Ben, sem perder a unidade). Contudo, só pelo arrojo da atual empreitada, ela já merece as congratulações.

Para ela, eu tiro o chapéu.

Caetano Veloso: a última que morre

CD Perfil (Som Livre)
2006


Resenha publicada no jornal
IM - INTERNATIONAL MAGAZINE, edição nº 122 (junho de 2006).



Prosseguindo na série de coletâneas Perfil, a Som Livre lança agora o título dedicado a Caetano Veloso, cujo repertório enfatiza basicamente - corroborando a proposta da coleção - seus maiores êxitos comerciais.

Estão aqui contidos alguns clássicos do compositor baiano ("Sampa", "O Leãozinho", "Lua e Estrela", "Menino do Rio" e "Odara", entre outros); canções incluídas em trilhas globais ("Você é Linda", tema de abertura da atual novela das oito; "Meia-Lua Inteira", de Carlinhos Brown; o clássico da bossa nova "Samba De Verão", dos irmãos Marcos & Paulo Sérgio Valle); e seus recentes sucessos populares (como a interessante versão para "Você Não me Ensinou a te Esquecer", do repertório de Fernando Mendes, música-tema do filme Lisbela & o Prisioneiro).

Não há nenhum problema em tentar agradar o povão, pois o próprio Caetano nos ensinou um dia que "não existe nada mais Z do que a classe A", ou "como é pobre se deslumbrar com a 'grande música'". E ele não ficou somente na teoria: gravou Vicente Celestino ("Coração Materno"), se apresentou com Odair José e produziu a trilha sonora do filme-biografia de Zezé di Camargo & Luciano. O simples e o popular, de fato, têm os seus encantos - basta observarmos o registro delicado (também incluído em Perfil) de Caê para "Sozinho", de Peninha, que vendeu na época um milhão de cópias. E com mérito. Embora os pseudo-intelectuais de plantão torçam o nariz, a gravação é, sem dúvida, belíssima.

A despeito de seus entreveros com a imprensa e colegas de classe, posicionamentos controversos e declarações altamente infelizes, Caetano - pela representatividade de sua obra na cultura nacional - merece todo o respeito. Falar mal dele só por falar, soa a tentativa de auto-afirmação, do tipo melancia pendurada no pescoço. Ou seja: minimizar a sua importância na música brasileira é tão estúpido quanto permitir que um automóvel passe em cima do próprio pé.

Contudo, como não reconhecer que o artista há muito não produz trabalhos autorais - só para citar exemplos recentes - como Estrangeiro (1989) e Circuladô (1992), que arrebataram de modo definitivo a opinião pública? Sem contar os registros de apresentações (Fina Estampa Ao Vivo, 1995; Omaggio a Federico e Giulietta, 1999; Noites Do Norte Ao Vivo, 2001), projetos especiais (os refinados Fina Estampa, 1994; e A Foreign Sound, 2004), seu último de inéditas, o conceitual Noites Do Norte, 2000 - embora trazendo alguns bons momentos como "Ia" e "Meu Rio" - está inegavelmente aquém das possibilidades do artista.

Em Perfil,tal estiagem fica exposta no lamentável samba coxo "Não Enche" (Livro, 1997):

"cuidado, oxente! (...).
Quadrada, demente (...), mando o meu bando anunciar: vou me livrar de você (...).
Perua, piranha (...), pra rua, se manda (...).

Pirata, malandra, me deixa gozar, me deixa gozar, me deixa gozar (...).
Vagaba, vampira (...), tarada, mesquinha...".

O que dizer, então de "A Luz de Tieta" (que felizmente está fora dessa compilação)?

"eta
eta, eta, eta

É a lua, é o sol
É a luz de Tieta, eta, eta..."

Enfim, alguma coisa está fora da ordem.

Caetano Veloso é o artista que outrora compôs verdadeiras pérolas como "Luz do Sol" (incluída nessa coletânea), "Terra" e "O Quereres", entre tantas outras. Pouco provável que tenha desaprendido - ele não haveria de apagar a estrada que o seu caminhar já desenhou. Tenhamos esperança em dias melhores.



Em tempo: por outro lado, é digno de registro o gesto do compositor baiano de dedicar "London, London", durante recente apresentação na capital inglesa, à memória do brasileiro Jean Charles de Menezes (barbaramente executado com oito tiros na estação de metrô de Stockwell, confundido com um terrorista). A letra da canção - em contraste com o lamentável episódio - soou tristemente irônica:

"Eu cruzo as ruas sem medo (...).
Um grupo aborda um policial
e este parece tão solícito em ajudá-los (...).
É bom viver em paz e eu concordo... ".

JK: A Era de Ouro

CD JK - Trilha Sonora da Minissérie
(Som Livre)
2006


Resenha publicada no jornal
IM - INTERNATIONAL MAGAZINE, edição nº 122 (junho de 2006).



"...meu vício de insistir nessa saudade que eu sinto
de tudo o que eu ainda não vi...
"

("Índios", Renato Russo, 1986)



A Som Livre pôs no mercado JK, a trilha sonora da minissérie sobre a biografia do ex-presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira. E o álbum, sintomaticamente, traz um panorama musical da época em que os fatos ocorreram, através de um repertório composto e/ou gravado da década de 50 até a primeira metade dos anos 60.

Zizi Possi comparece com "Nunca", pérola pinçada da obra do gaúcho Lupicínio Rodrigues, em gravação de 1983. O belo timbre de Emílio Santiago cai como uma luva em "Mulher", composta por Custódio Mesquita em parceria com o também finado ator Sady Cabral. A Princesinha do Mar dos tempos em que o Palácio do Catete era a sede do Governo Federal é homenageada por Gal Costa com a dobradinha - ou pot-pourri, como era então chamada - "Sábado em Copacabana" (de Dorival Caymmi e Carlos Guinle, famosa na voz de Sylvia Telles) e "Copacabana" (do célebre João de Barro, o Braguinha, e Alberto Ribeiro). O mestre Caymmi, por sinal, também está presente com a brejeira "A Vizinha do Lado".

A trilha também conta com duas gravações d'A Divina Elizeth Cardoso (cantora definitivamente inserida na história da música brasileira por gravar o seminal LP Canção do Amor Demais): a pungente "Canção de Amor" (que Caetano Veloso resgatou com suavidade em 1995, em Fina Estampa Ao Vivo) e "Chove Lá Fora", esta última de autoria de outra figura notável da época, Tito Madi (um dos ídolos de Roberto Carlos), igualmente presente no álbum, com "Menina Moça".

Advinda da alta sociedade paulistana, a cantora e compositora Maysa Matarazzo interpreta a sua "Ouça", canção considerada um dos pilares do estilo que se convencionou chamar de... fossa. E o irreverente Menestrel Juca Chaves não perde a piada em "Presidente Bossa Nova".

O então incipiente rock brasileiro não poderia ficar de fora: está representado por "Broto Legal (I'm In Love)", na voz de um dos primeiros ídolos nacionais do gênero, o finado cantor Sérgio Murilo. E Nelson Gonçalves, com sua popularidade já consolidada naquela época, comparece com "Caminhemos" (de Herivelto Martins), em bom dueto com Maria Bethânia, fonograma extraído do disco Ele & Elas - Volume II, 1986.

Entretanto, um ouvinte mais atento perceberá um destaque de Antônio Carlos Jobim no álbum. O período em que a história se desenrola compreende a transição de sua música do samba-canção triste, estilo Dolores Duran (de quem, aliás, foi parceiro) para a grande invenção da qual foi co-autor: a bossa nova. De modo que o Maestro Soberano aparece em "Este Seu Olhar" (na voz aveludada de Dick Farney, que também aparece na trilha no disco com o clássico "Alguém Como Tu"), "Se Todos Fossem Iguais a Você" (pela já mencionada Sylvia Telles), "A Felicidade" (no registro do falecido Agostinho dos Santos, que também interpreta no CD "Balada Triste") e a emblemática "Chega de Saudade" (com Jobim já sendo acompanhado pela Nova Banda).

Falando em co-autoria: a lamentar a ausência de João Gilberto no álbum. Figura fundamental da época (com o advento da supracitada bossa nova), o "esquecimento" do incomparável violonista seria uma hipótese altamente... improvável.

Fechando o repertório, o bolero "Aqueles Olhos Verdes (Aquellos Ojos Verdes)" (Trio Irakitan) e a ginga de "Mocinho Bonito" (Dóris Monteiro).

Contudo, o ponto alto do CD, sem dúvida, é a magistral interpretação de Milton Nascimento para "Peixe Vivo", tradicional cantiga do folclore mineiro - tão representativa das Alterosas quanto "Ó, Minas Gerais" ou a própria bandeira do Estado - , que ficou caracterizada com a "música do Juscelino", inclusive entoada pela multidão durante as exéquias do ex-presidente (nascido em Diamantina). As montanhas de MG vêm à mente durante a audição do soberbo arranjo da gravação de Bituca.

A trilha sonora de JK, portanto, retrata com fidelidade o Rio de Janeiro enquanto capital da República - uma cidade mais elegante, mais próspera e mais feliz, muito distante do tempo das lacraias. Ou, analisando de modo mais abrangente, o álbum ilustra uma era de ouro em nosso País (tanto a nível musical quanto social), que antecedeu um período de trevas, onde o direito, a lei e o pensamento foram impiedosamente esmagados pela força bruta.

Seu Jorge: estereótipo de brasilidade

CD Cru (ST2)
2005


Resenha publicada no jornal
IM - INTERNATIONAL MAGAZINE, edição nº 122 (junho de 2006).



Já que falamos em Seu Jorge, vale lembrar que - a exemplo de sua parceira Ana Carolina - o ex-Farofa Carioca também possui dois trabalhos na lista dos mais vendidos: o já comentado Ana & Jorge; e também o solo Cru (ST2).

Lançado inicialmente na França (onde o cantor é sucesso de crítica), Cru apenas muito recentemente teve uma edição nacional, puxada pelo hit "Tive Razão", bom samba de raiz com tudo o que tem direito: cavaquinho, tamborim, caipirinha, feijoada, etc. Poderia ser gravada por Zeca Pagodinho com a mesma naturalidade de quem veste um terno feito sob medida. Salvam-se também "Eu Sou Favela" e "São Gonça" (esta última, do repertório do seu antigo grupo, onde Seu Jorge se mostra à vontade em seu habitat natural - embora a versão ao vivo contida em Ana & Jorge seja muito superior). Depois disso, começam os problemas.

Ao que parece, a proposta aqui é abrasileirar informações externas. Os arranjos são minimalistas, sempre com elementos propensos a realçar uma pretensa identidade nacional, repleta daquele "estereótipo de brasilidade" (tão embaraçoso quanto chorar no ombro do presidente norte-americano) que, decididamente, não traduz o País. E o resultado aqui acaba sendo grotesco: é o caso de "Fiore De La Cittá" (cantada em italiano) e "Chatterton" (original de Serge Gainsbourg, que recebeu um instrumental interessante, mas também uma letra em português simplesmente atroz).

Tudo bem, a cuíca inserida no arranjo de "Don't" foi realmente um achado, porém insuficiente para evitar o assassínio da canção da dupla Leiber & Stoller, imortalizada na voz de Elvis Presley - cantada aqui num inglês canhestro. Ou talvez a intenção tenha sido criar um réquiem para o Rei do Rock, porque gravação soa, de fato... fúnebre.

Trata-se, portanto, de um trabalho exotique, um autêntico abacaxi for export. Mas serve como souvenir - bem representativo, até - do Ano do Brasil na França. Ou seria o Ano da... Bahia na França?

Ana Carolina & Seu Jorge: aliança política

CD e DVD Ana & Jorge - Ao Vivo (Sony BMG)
2005


Resenha publicada no jornal
IM - INTERNATIONAL MAGAZINE, edição nº 122 (junho de 2006).



Ana & Jorge (lançado em CD e DVD, via Sony-BMG), como o próprio título anuncia, flagra o show acústico que uniu Ana Carolina e Seu Jorge, e trata-se do disco líder de vendagens atualmente no eixo Rio-São Paulo.

De cara (e muito provavelmente alguém já deve ter notado isso), percebe-se um caso claro de aliança política - leia-se: permuta de interesses. Ou seja: a cantora mineira - cuja coletânea Perfil (Som Livre) foi o CD mais vendido do ano passado e, pasmem, ainda permanece em posição de destaque na lista - possui dotes vocais incontestes, mas com um repertório eventualmente aquém de sua privilegiada (parafraseando um de seus sucessos) garganta. E esse é o seu calcanhar-de-Aquiles perante alguns setores da crítica que, por essa razão, olham enviesados para o seu trabalho.

Já o compositor fluminense - embora autor do hit "Tem Espaço Na Van", em parceria com Ed Motta - , egresso do grupo Farofa Carioca (que conquistou uma aura cult no Rio de Janeiro), ainda não havia atingido, até então, o estouro comercial, embora desfrutando de uma respeitabilidade perante a especializada que Ana ainda não possui. De modo que ela se beneficiaria do prestígio de Seu Jorge, e este se favoreceria do excelente momento que a cantora atravessa no mercado.

O CD inicia com um módulo solitário de Seu Jorge, que emenda quatro de uma só vez: "São Gonça" (dos tempos do Farofa), "Problema Social", "Zé do Caroço" (do repertório de Leci Brandão), e o hit "Carolina", um samba-rock até bem bacana, no melhor estilo Babulina (com a outra Carolina, a Ana, se garantindo no pandeiro). O compositor possui timbre grave nem sempre agradável, mas também um swing e uma sagacidade nas letras que só se adquire na rua. Ponto para ele.

Os dois mostram entrosamento e descontração nas poucas músicas em que atuam realmente em dupla - como em "Comparsas/O Pequenez e o Pit-Bull", o hit "Pra Rua Me Levar" e a insana "Chatterton" (a propósito - sem moralismo, porque o papo aqui não é esse: mas será que precisava mesmo essa de forçada de rebeldia, berrando dois 'puta que pariu' tão fora de hora, malandragem?).

Também em dueto é cantada uma das duas músicas inéditas do trabalho (a outra é "Brasil Corrupção (Unimultiplicidade)", parceria de Ana com o meu xará Tom Zé, repleta de um populismo infantil - desses de corrente de e-mail - que até Hebe Camargo faria melhor): "É Isso Aí", ótima versão de "The Blower's Daughter", do irlandês Damien Rice, que tomou as FM's de assalto, com justiça. Entretanto, há um porém: a intensidade do refrão exigiu notas altíssimas, plenamente alcançadas por Ana (que escreveu a letra em português). E o contraste entre as vozes foi desvantajoso para Seu Jorge.

Chega o momento em que Ana canta sozinha alguns números, como "Mais Que Isso" e a bela "Vestido Estampado". E a cantora ainda foi gentil para com o seu parceiro em não incluir seus sucessos "Quem De Nós Dois (La Mia Storia Tra Le Dita)", "Encostar Na Tua" e "Uma Louca Tempestade".

O álbum traz duas composições de Chico Buarque ("Tanta Saudade", melodia composta por Djavan; e "Beatriz", belíssima parceria com Edu Lobo) - o que não deixa de ser irônico, visto que, em entrevista recente, Seu Jorge reclamou que Chico "caminha muito na rua, mas nunca andou na minha favela". Estranho. O próprio Seu Jorge declarou anteriormente estar satisfeitíssimo com sua residência-escritório em São Paulo e que não pretende voltar a morar ao Rio, porque a cidade, nas palavras do próprio, está "cheia de gente inerte, que só fica batendo palmas para o pôr-do-sol e jogando conversa fora nos bares". Ou seja: se nem o próprio Seu Jorge quer mais andar na favela em que nasceu... por que então quer cobrar isso de Chico Buarque?

O DVD, por razões físicas, traz cinco faixas a mais que o CD. E o resultado desse encontro não é sublime nem péssimo. Pelo menos, pode-se dizer que, entre equívocos e acertos, a parada de sucessos se encontra liderada por um produto digno - dois músicos sozinhos em um palco, tocando e cantando suas composições, sem aditivos (com exceção da seqüenciada - e dispensável - "O Beat Da Beata", que fecha o álbum) e sem disfarces.

Nando Reis: é o amor

CD Sim e Não (Universal)
2006


Resenha publicada no jornal
IM - INTERNATIONAL MAGAZINE, edição nº 122 (junho de 2006).



Três anos após o seu último de inéditas, o bom A Letra A (sem contar a dobradinha de sucesso CD + DVD MTV Ao Vivo, no qual revisou o seu repertório solo, em 2004), o cantor e compositor Nando Reis ressurge com Sim e Não (Universal), novamente creditado - a exemplo do trabalho lançado sob a égide da emissora paulistana - também aos Infernais.

Com a formatação sonora habitual - violões proeminentes, guitarras e órgãos Hammond - Nando apresenta um disco de... canções de amor. Claro, as más línguas irão sentenciar, de imediato, que o ex-Titã "caiu na banalização, devido à 'má-influência' de Wando" (com quem andou se apresentando e até fez uma parceria - além de ter gravado "Fogo e Paixão") ou à recente participação na trilha sonora de Os 2 Filhos de Francisco.

Seriam dois grandes equívocos em uma única afirmativa: a) apesar de optar pela mais antiga e utilizada temática do mundo, Nando construiu com inteligência um mosaico dos vários matizes do amor (paterno, carnal, etéreo), com narrativas bem elaboradas, distantes da chamada obviedade romântica; b) o preconceito costuma turvar a visão - ou, nesse caso, a audição - e não permite que se reconheça, por exemplo, que o Obsceno possui algumas canções até bem palatáveis, como "Faltando Um Abraço", "Coisa Cristalina" e "A Menina e o Poeta", gravada por Roberto Carlos em 1976.

Aliás, impossível não observar em Sim e Não uma certa influência (lírica - é bom frisar), sim, de Roberto & Erasmo, safra Proposta. Indícios claros estão em "Como Se o Mar", "Nos Seus Olhos" e, especialmente, na ótima "N" (que tem todo cacoete de hit - assim como o pop fluente de "Sou Dela", primeira música de trabalho). Se bem que a melodia da canção que fecha - oficialmente, porque há ainda um tema oculto, tipo jam session - o álbum, a lacônica "Ti Amo" (não há erro de digitação aqui, ok?), parece ter sido separada do repertório da dupla ainda na maternidade.

O rock não foi excluído: diz presente em "Santa Maria", na saudável safadeza stoneana de "Caneco 70" e na liberadaça "Monóico" (segundo o Aurélio: adj. (Botânica), Designativo de plantas que, no mesmo pé, têm, separadas, as flores masculinas e femininas, o que colabora - e muito - para a compreensão da letra):

"Sinto seu dedo, mas não vejo a sua mão
Não sinto medo quando estou deitado, olhando pro chão... "

Aos 43 anos, a maturidade de Nando é perceptível na delicada "Espatódea", homenagem à filha Zoé (nota: nome científico: Spathodea campanulata; nome popular: espatódea, tulipeira; origem e ocorrência: África; porte: até 15 metros de altura; características: árvore bastante ornamental, com floração bem exuberante); em "Pra Ela Voltar" (que traz os certeiros versos: "uma pessoa só, não conta/ uma pessoa só, não é ninguém"); e também na primeira faixa, a bela "Sim", meio-título do álbum - se é que assim podemos defini-la - e também um dos destaques:

"Sim, desde que eu te vi, eu te quis
Eu quis te raptar, eu fiz um altar
Pra te receber, como um anjo, que caiu lá do céu... "

Sim e Não prossegue a pavimentação da trajetória de Nando Reis - o período como membro dos Titãs já parece um passado longínquo - e certamente auxiliará a confirmar o seu nome como um dos mais engenhosos artífices do pop brasileiro atual.

sábado, 6 de janeiro de 2007

Sei, apenas rock'n'roll... mas quem não gosta?

CD Rarities 1971 - 2003 (EMI)
2005


Resenha
disponível também no BLOG DO TOM NETO.



Comentou-se que o último trabalho de estúdio dos Rolling Stones (o ótimo A Bigger Bang) teria tido um fraco desempenho comercial. Uma banda em plena turnê mundial sem um produto viável nas prateleiras (sobretudo, em se tratando dos Stones, um mega-empreendimento envolvendo milhões de dólares)? Complicado. Provavelmente por essa razão, o grupo inglês decidiu lançar uma segunda edição de A Bigger Bang, agora acompanhado de um DVD bônus - com imagens da gravação do disco, clips, etc - e também o CD Rarities 1971 - 2003.

Até segunda ordem, um álbum dos Rolling Stones é sempre bem-vindo - ainda que seja um trabalho multifacetado como esse, que traz faixas ao vivo, lados B e até remixes. No entanto, a unidade sonora do CD (ou seja: a alquimia de blues e rock que consagrou a banda) está assegurada.

O melancólico country "Wild Horses" (em versão extraída do também ao-vivo-salada-de-frutas Stripped, de 1995) não justifica sua inclusão como raridade: possivelmente só está em Rarities 1971 - 2003 pela pérola que é - uma das mais belas canções desses senhores britânicos. O clássico "Tumbling Dice" comparece em matadora versão ao vivo, assim como "I Just Want To Make Love To You" - de Willie Dixon, gravada pelos Stones pela primeira vez em seu disco de estréia, de 1964 (!).

Os remixes também não fazem feio: o mais interessante é o de "Mixed Emotions", que não despreza a vitalidade rock da gravação original - continua sendo rock, só que agora com motor turbo. O de "Harlem Shuffle" até respeita bastante a versão que os Stones fizeram em 1986 desse clássico do soul - na verdade, essa faixa foi a única sobrevivente do naufrágio chamado Dirty Work, de 1986 -, porém, com balanço renovado. E há ainda a versão extended de "Miss You", reverente ao registro de 1978 - totalmente contagiado pela disco, apesar da harmônica bluesy tocada por Jagger - aliás, esse instrumento foi o álibi usado pelo cantor para negar a influência do movimento nessa faixa...

Falando em soul, há uma boa versão ao vivo (de 1981) da bela "Beast Of Burden" - que contém os ingredientes que Jagger certamente absorveu ouvindo The Miracles. E "If I Was A Dancer", espécie de continuação de "Dance" (de Emotional Rescue, 1980) também mata a pau.

Rarities 1971 - 2003 traz ainda versões ao vivo da pungente "Thru And Thru" (de Voodoo Lounge, 1994, cantada por Keith Richards) e a bordoada de "Live With Me", entre outras. E ainda aproveitam para pagar tributo a alguns de seus heróis como Chuck Berry (em "Let It Rock") e Muddy Waters ("Mannish Boy").

Mas raridades mesmo são "Wish I'd Never Met You", o envenenado "Fancy Man Blues", a delicada "Anyway You Look At It" e "Through The Lonely Nights", que mantêm o bom nome da empresa.

Enfim, essa é a Maior Banda De Rock 'n Roll do Mundo, mesmo em um trabalho sem grandes critérios, nem pretensões. De qualquer forma, aqui está um ótimo souvenir do show histórico na Praia de Copacabana.

Paulo Ricardo: qual será o próximo capítulo?


CD e DVD Acoustic Live (EMI)
2005


Resenha publicada no jornal
IM - INTERNATIONAL
MAGAZINE
, edição nº 120 (abril de 2006).



Muito curiosa (ou acidentada, talvez) a trajetória artística de Paulo Ricardo. Antes de se tornar - digam o que disserem - uma das figuras-chave do BRock 80, o cantor, compositor e baixista (formado em jornalismo) iniciou sua carreira como crítico musical da extinta revista SomTrês. Logo após, morou um período em Londres e, no retorno, montou o RPM, que lançou um excelente disco de estréia (Revoluções Por Minuto, de 1985), cuja turnê nacional desencadeou uma verdadeira febre e gerou um álbum ao vivo (Rádio Pirata, 1986) que - até os pombos da praça sabem - bateu recordes (dois milhões e meio de cópias vendidas). A ressaca do mega-estrelato provocou a ruptura do grupo - decisão reconsiderada posteriormente com o lançamento de Os Quatro Coiotes, de 1988, disco que trazia alguns momentos interessantes (como a gótica "Sete Mares", "Um Caso De Amor Assim", a ótima "Ponto de Fuga" e o blues "Partners", que recebeu furiosa versão de Cássia Eller em 1994) e o aparente intuito de não repetir o fenômeno.

Após esse trabalho, a banda se dissolveu em definitivo e Paulo iniciou carreira solo, gravando dois álbuns (Paulo Ricardo, 1989; e Psico Trópico, 1990, com produção de Liminha) que obtiveram pouca repercussão. Em 1993, inspirado pelo grunge, recruta novos músicos e edita Paulo Ricardo & RPM, sem êxito. Um período de ostracismo antecedeu o bom Rock Popular Brasileiro (1995), antologia de sucessos do rock nacional - como o próprio título anuncia - que recolocou o cantor na mídia, através da regravação de "A Cruz e A Espada", em dueto com um já fragilizado Renato Russo.

Dois anos depois, lança O Amor Me Escolheu, que abrigava dois hits ("Dois", parceria com o antigo midas Michael Sullivan; e "Tudo Por Nada", versão para "My Heart Can't Tell You No", sucesso de Rod Stewart) e uma boa dose de coragem (poucos abririam um disco com a bela "E Não Vou Mais Deixar Você Tão Só", de Antônio Marcos). Inicia-se aí uma postura de cantor pop romântico: Paulo apresentava-se com uma indumentária absolutamente clean e não tocava contrabaixo em público nesse período.

Amor de Verdade foi lançado em 1999, e misturava três inéditas a releituras (com arranjos seqüenciados) de canções gravadas por Roberto Carlos, mas não compostas pelo Rei, como: "Sonho Lindo" e "Não Há Dinheiro Que Pague", entre outras. A única exceção era "Por Amor".

Em 2000, convida um time de instrumentistas de primeira linha (como o saxofonista Milton Guedes, o baixista Dunga e o guitarrista Kiko, do Roupa Nova) para a gravação do CD que tem como título apenas o seu nome, composto de boas e radiofônicas canções inéditas - tendo, quase em sua totalidade, o supracitado Michael Sullivan como co-autor (tais como: "Vai", "Turquesas e Corais" e "Por Quê? (Na Dor E No Prazer)", essa última gravada posteriormente pelo também já mencionado Roupa Nova). Entretanto, o único sucesso desse álbum foi a versão de "Imagine", de John Lennon, que foi tema de abertura de uma novela global e só entrou, na verdade, como faixa bônus da segunda edição do CD - que incluía também um versão em português (!) desse clássico. Parecia a derrocada do cantor romântico.

Para surpresa geral, a formação original do RPM voltou à ativa em 2002, com uma turnê nacional que gerou uma dobradinha CD + DVD de sucesso, sob a chancela da MTV. Contudo, quando todos imaginavam ouvir o primeiro álbum de inéditas da banda em anos, alegadas diferenças estéticas abortavam, mais uma vez, o prosseguimento do trabalho.

O baterista Paulo "PA" Pagni permaneceu ao lado de Paulo Ricardo e, ao lado de outros músicos, foi formado o PR.5, cujo primeiro CD (o experimental Zum Zum) foi definido pelo cantor da seguinte forma:

- Esse é um trabalho diferenciado. Sei que as pessoas irão demorar um tempo para a assimilação dessas novas informações.

Os anos de experiência no show business e o faro de quem começou como crítico acertaram em cheio: o grupo teve um resultado pífio.

E eis que Paulo Ricardo volta à carga (solo, novamente) com CD e DVD intitulados Acoustic Live (EMI), no qual ele registra sucessos de George Michael ("Careless Whispers", com a indefectível frase de sax pontuada por um piano) e Chris Isaak ("Wicked Game"), além de clássicos de Bob Dylan ("Like a Rolling Stone"), Wings ("My Love"), Rolling Stones ("Honk Tonk Women"), entre outros.

E ele até se dá bem em "Fire And Rain" (James Taylor). Mas também se dá muito mal em "Isn't She Lovely" - é sempre complicado regravar Stevie Wonder (até Gilberto Gil derrapou em suas releituras de "The Secret Life Of Plants" e "I Just Called To Say I Love You") - , sobretudo por um cantor - verdade seja dita - nem um pouquinho black, como Paulo Ricardo.

Bem, no final das contas.... o repertório é impecável, os arranjos são excelentes e o inglês de PR não merece qualquer repreensão. Está tudo muito bom, está tudo muito bem, mas sinceramente.... pegou muito mal. Com um set list desses, é difícil fazer um disco propriamente ruim. E Acoustic Live até não é um mau CD para se ouvir no carro, por exemplo - mas o grande problema é que essas canções (todas cristalizadas) não precisam de releitura - até porque, no quesito vocal, Paulo Ricardo perde em comparação aos originais.

O DVD traz algumas faixas bônus. como "Jealous Guy", "Quiet Nights Of Quiet Stars" e… "London London" - apenas cinco anos após ter sido registrada no ao vivo da MTV.

Fica a triste impressão de que, após o insucesso do último trabalho, Paulo tenta encarnar uma versão pop e mais jovem de Rod Stewart, que já está no quarto (!) songbook de clássicos americanos. Por coincidência (ou não), ele abre o disco com "Tonight's The Night"... Ou será que é Emmerson Nogueira que começa a fazer escola?

Se a intenção era se distanciar do formato PR.5, seria até melhor (e mais honesto) retomar a persona do cantor romântico, com um repertório autoral e, sobretudo, inédito.

Vejamos qual será a próxima empreitada de Paulo Ricardo.

A seguir, cenas dos próximos capítulos.

Stevie Wonder: e assim se passaram dez anos...

CD
A Time to Love (Motown/ Universal) 
2005 


Resenha publicada no jornal IM - INTERNATIONAL MAGAZINE, edição nº 120 (abril de 2006).



Boa notícia: depois de um incrível hiato de uma década (!) sem um CD de inéditas (sim, Conversation Peace é de 1995), o genial Stevie Wonder, após tantos adiamentos, edita A Time To Love (Motown - Universal), um trabalho à altura do talento de Wonder - e estamos falando do artista que gerou clássicos como Talking Book e Innervisions, além da obra-prima Songs In The Key Of Life (1976).

Outra boa notícia: o músico americano encontra-se em ótima forma. A tribal "If Your Love Cannot Be Moved") abre o álbum. Embora a faixa seja bem interessante, Wonder já teve melhores momentos na seara étnica - como na célebre "Pastime Paradise", de Songs..., por exemplo. O CD começa mesmo na segunda música: "Sweetest Somebody I Know", que traz um irresistível swing... samba (não, não há erro gráfico aqui). A melodia, em alguns momentos, lembra "Samba de Uma Nota Só", de Antônio Carlos Jobim & Newton Mendonça.

É importante lembrar que no show do Free Jazz Festival de 1995, Stevie citou "Você Abusou" ao tocar "Ribbon In The Sky". O samba de Antônio Carlos & Jocafi era um sucesso quando Wonder visitou o Brasil pela primeira vez, no início da década de 1970.

Baladas de alto nível dão a tônica do trabalho - como a linda "Passionate Raindrops", "Shelter In The Rain", "True Love" e a longa "Moon Blue" (com um belo solo de piano).

Já "My Love Is On Fire" e "So What The Fuss" apresentam os elementos que todos reconhecemos em Stevie Wonder: o balanço, a fluência melódica, o inconfundível registro vocal. A indefectível gaita (presente em gravações tão distintas como "Brand New Day", de Sting e "Samurai", de Djavan) não poderia faltar, claro: ela aparece em "From The Bottom Of My Heart" (que já nasceu clássica), "Can't Imagine Love Without You" e "Tell Your Heart I Love You". E o funk - favor não confundir com o batidão carioca - está em "Please Don't Hurt My Baby".

"How Will I Know" e "Positivity" contam com a participação vocal de sua filha, Aisha Morris, que inspirou o hit "Isn't She Lovely?" ("Life is Aisha / the meaning of her name"), do já citado Songs In The Key Of Life.

Além do próprio Stevie, outro monstro sagrado está presente em A Time To Love: Sir Paul McCartney toca guitarra na faixa-título, fechando o álbum extenso desse artista superior, que influenciou músicos de vários estilos e gerações.

Tomara que o próximo CD não demore mais dez anos...

Burt Bacharach: biscoito finíssimo


CD At This Time (Sony BMG)
2006

Resenha publicada no jornal IM - INTERNATIONAL
MAGAZINE
, edição nº 120 (abril de 2006).



Oito anos após o seu último de inéditas, o magistral Painted From Memory (composto e gravado ao lado de Elvis Costello, que dispensa apresentações), os amantes da boa canção pop podem alegrar-se com o retorno de um verdadeiro mestre dessa matéria: o maestro e pianista norte-americano Burt Bacharach - prestes a completar 78 anos d idade - lança At This Time (Sony BMG).

Certamente um dos cinco maiores compositores populares do planeta em todos os tempos, Bacharach é autor de pérolas como "I Say I Little Prayer", "Alfie", "I'll Never Fall In Love Again", "The Look Of Love" (da trilha sonora do filme Casino Royale, uma sátira ao Agente 007) e foi gravado por nomes consagrados como os Beatles ("Baby It's You), Carpenters ("Close To You"), Christopher Cross ("Arthur's Theme"), Chris DeBurgh ("Love Is My Decision"), além de sua maior intérprete, Dionne Warwick ("Walk On By", "That's What Friends Are For" e muitas outras).

Influência confessa de meio mundo do pop (do Oasis até o próprio Sir Paul McCartney, passando pelo já mencionado Elvis Costello - que, aliás, participa do álbum cantando brilhantemente "Who Are These People?", repetindo a química perfeita de Painted... - por que eles não gravam outro CD, juntos?), Bacharach já admitiu publicamente ser um grande admirador de Antônio Carlos Jobim e de... baião - não, você não leu errado; o maestro conheceu o ritmo nordestino em uma visita ao Brasil, como pianista da cantora Marlene Dietrich.

E em At This Time, Bacharach (ainda que a programação eletrônica na introdução da ótima "Please Explain", a faixa que abre o álbum, faça com que o ouvinte se pergunte se está realmente ouvindo o CD correto) permanece fiel ao seu estilo e presenteia o ouvinte com o melhor de sua arte: os vocais femininos, as belas frases de metais e cordas, além de sua impressionante capacidade melódica - capaz, em meio à enorme elaboração, de induzir uma falsa simplicidade.

O jovem trompetista Chris Botti (que já acompanhou Sting) participa de duas faixas ("Dreams" e a instrumental "In Our Time") do álbum, do qual também se destacam "Can't Give Up" (típico arranjo Bacharach), "Where Did It Go" e "Is Love Enough?". Curioso é notar um surpreendente... desânimo nas letras - quem sabe um reflexo do governo de George W(ar) Bush? - , contrabalançando com a leveza e elegância presentes em todo o disco.

Pop sem ser vulgar. Refinado sem ser pretensioso nem chato. Cotação: biscoito finíssimo.

Simply Red: maturidade


CD Simplified (simplyred.com/Universal)
2005


Resenha publicada no jornal
IM - INTERNATIONAL MAGAZINE, edição nº 120 (abril de 2006).




Há um determinado momento da carreira de todo músico, em que surge a necessidade de se tornar um artista sério. Ou eterno. Sim, a maturidade chega para todos - ou quase todos. Ao que parece, chegou para o inglês Mick Hucknall, 45 anos (vocalista, fundador e único membro original do Simply Red), que acaba de lançar Simplified, no qual relê seus sucessos, com arranjos surpreendentemente inspirados no jazz latino. Esse é o segundo trabalho - a exemplo do anterior, o bom Home, de 2004 - editado pelo seu selo próprio, simplyred.com (distribuição negociada com a Universal).

E, em Simplified, tudo soa.... requintado. A deliciosa "My Perfect Love" é pura bossa nova. "Smile" poderia muito bem estar em um CD de Diana Krall. "Something Got Me Started" (que aqui se tornou uma autêntica salsa cubana) e "More" (um dos destaques do álbum) não perderam o pulso rítmico, mas a originalmente dançante "Fairground" (que continha até sampler de Sérgio Mendes quando lançada, em 1995) está quase irreconhecível: em versão minimalista, a bela melodia - que ficava soterrada sob uma montanha de seqüenciadores e efeitos - se destaca, desenhada por um teclado muito bem executado.

O álbum traz cavalos-de-batalha como "Holding Back The Years" (conduzida por violão de nylon e discreta percussão), "Your Mirror" (com suaves cordas, em versão muito superior à original) e a belíssima "For Your Babies"; uma inédita ("Perfect Love", em dueto com a cubana Danae Blanco Villanueva); e regravações de "Ev'ry Time We Say Goodbye" (de Cole Porter, que o grupo gravou pela primeira vez em 1987, em Men And Women, seu segundo disco) e "A Song For You" (de Leon Russel). Soa como pretensão colocar canções próprias ao lado de clássicos consagrados? Creio que não seja essa a leitura correta. Com o distanciamento que só o tempo proporciona, nada impede que algumas das músicas do Simply Red também se perpetuem no cancioneiro popular mundial. O canadense Michael Bublé, em seu CD de estréia, gravou Bee Gees, George Michael e Queen juntamente com músicas eternizadas por Frank Sinatra...

Hucknall declarou recentemente que, além das 12 canções que compõem esse álbum, foram gravadas outras 13 - mais próximas do som característico do Simply Red -, que serão lançadas ainda esse ano, sob o título Unplified, assim como um DVD gravado ao vivo (Cuba, já editado na Inglaterra).

No invariavelmente insípido dial FM, o Simply Red, com o timbre negro de Hucknall (cuja voz, aliás, está algo mais encorpada - ainda que continue se saindo muito bem, tanto nos falsetes quanto nas notas mais altas) sempre conseguiu sobressair. Embora radiofônico, jamais negligenciou a qualidade e a sofisticação - ainda que os simplistas (com o perdão do trocadilho) classifiquem seu som como "funk aguado" e "música de yuppie". Bobagem. A relevância da banda-de-um-homem-só está devidamente comprovada nesse álbum. Para quem aprecia o que é bom, Simplified é altamente recomendável.

Barão Vermelho: ele continua a brilhar

CD MTV Ao Vivo (Warner)
2005


Resenha
disponível também no BLOG DO TOM NETO.



É fato que, nos primeiros anos após a saída de Cazuza, o Barão Vermelho sentiu falta de um letrista com verve à altura. No palco, entretanto - com a inegável técnica de seus integrantes - a banda sempre foi responsável por um dos melhores shows de rock do Brasil, tornando-se um referencial do estilo. A prova está no recém-lançado MTV Ao Vivo, mais um produto da emissora paulistana.

Gravado no mês de agosto no Circo Voador (onde o Barão realizou, nos anos 80, um de seus primeiros shows, quando a lona ainda estava na Praia do Arpoador), o álbum registra uma performance definitiva do grupo carioca, sendo comercializado em duas versões: CD duplo; ou dois CD's simples, vendidos separadamente.

O repertório resume os quase 25 anos de carreira da banda e equilibra clássicos consagrados ("Maior Abandonado", "Bete Balanço", "Por Que a Gente é Assim?", "Pense e Dance", "O Poeta Está Vivo", "Pedra, Flor e Espinho", "Por Você"); material recente ("Cara a Cara" e "Cuidado", do último CD, cujo título é apenas o nome do grupo); canções menos conhecidas ("Tão Longe De Tudo", "Política Voz", ambas do excelente Na Calada Da Noite, 1990); uma inédita ("O Nosso Mundo"); músicas de outros artistas, como Raul Seixas (a bela "Tente Outra Vez"), Legião Urbana ("Quando o Sol Bater Na Janela Do Seu Quarto"), Ângela Rô-Rô ("Amor, Meu Grande Amor") e Bezerra da Silva ("Malandragem Dá Um Tempo"), além de duas faixas interativas ("Vem Quente Que Eu Estou Fervendo" e o blues "Quem Me Olha Só", ambas registradas em estúdio).

O primeiro single de trabalho é "Codinome Beija-Flor", que conta com a participação especial de Cazuza - no melhor estilo Unforgettable: a imagem e a voz do poeta foram projetadas no telão do show, num dueto emocionante dos dois vocalistas da história da banda. Essa é a segunda vez que o Barão grava uma música da carreira solo do Exagerado. A primeira foi "O Tempo Não Pára", no Balada MTV (1999) - presente mais uma vez, aliás, nesse Ao Vivo.

O DVD, a ser lançado agora no início de dezembro, será o primeiro registro do Barão nesse formato. O "ao vivo" anterior (o já mencionado Balada MTV) - no qual metais, cordas, teclados e violões se sobrepuseram às guitarras - teve o lançamento temporariamente vetado pelo próprio grupo, por não representar a sonoridade característica da banda.

Comenta-se que este seria o último CD do Barão Vermelho, pelo fato de o guitarrista e cantor Roberto Frejat ter decidido priorizar a sua carreira solo - realizando apenas discos esporádicos com a banda. Espera-se que tal informação não venha a se confirmar. Ainda é cedo para virar essa que é uma das mais importantes páginas do rock nacional.

Fábio Jr.: um peso e uma medida

CD Novelas (Som Livre)
2005


Resenha publicada no jornal IM - INTERNATIONAL MAGAZINE, edição nº 119 (fevereiro de 2006).



A Som Livre acaba de editar Novelas, coletânea de músicas de Fábio Jr. que integraram trilhas sonoras globais. "O quê? Fábio Jr no IM - INTERNATIONAL MAGAZINE?" Calma, amigo (a) leitor (a)... Ao término desse artigo, você pode até continuar detestando o pai da Cléo Pires. Mas, talvez... tenha argumentos para ver que a questão não é bem assim...

Claro, existe no Brasil esse reducionismo de estigmatizar certos artistas - e sem uma prévia avaliação imparcial. Entretanto, apesar de Fábio Jr. ser mais reconhecido atualmente pelo lado mais popular de seu trabalho (para muitos, brega mesmo), é importante observar que, no final dos anos 70, quando inexistia uma cena pop em nosso país - Kid Abelha e Lulu Santos ainda não haviam surgido - esse espaço era preenchido por Fábio Jr., com uma sucessão de hits como "Enrosca" (de Guilherme Lamounier, autor já comentado aqui no tablóide) e "Eu Me Rendo" (do tecladista Sérgio Sá), que, inexplicavelmente, ficou de fora do álbum - visto que era tema de abertura da novela O Amor é Nosso.

Ao longo de sua carreira, Fábio Jr. vem gravando compositores como Djavan ("Se", do mais recente CD, O Amor é Mais, lançado no ano passado) e Nico Rezende ("Transas", em 1999), entre outros. E Novelas apresenta um cardápio variado de autores, como Vinícius Cantuária (presente em "Só Você", sucesso gravado por nomes tão díspares como Fagner e... Capital Inicial) e Márcio Greyck (que compôs a desencantada "Aparências"), representado aqui em "Impossível Acreditar Que Perdi Você".

Nessa coletânea, também estão disponíveis: a singela "Esqueça (Forget Him)" versão de Roberto Côrte Real - imortalizada por Roberto Carlos - e duas do célebre compositor gaúcho Lupicínio Rodrigues: "Esses Moços (Pobres Moços)" e a bela versão intimista para a angustiada "Volta".

O lado autoral de Fábio Jr. é minoritário em sua carreira, mas está presente na sentimental "Pai", na interiorana "Rio e Canoa" (estilo Renato Teixeira - autor de "Romaria" e "Tocando Em Frente", definido anteriormente pelo cantor como "o maior poeta caipira do Brasil") e em "20 e Poucos Anos" (que já foi gravada pelos... Raimundos!).

Conclusão: é curioso observar Caetano Veloso vendendo um milhão de cópias pela primeira vez em sua carreira por causa de uma composição de Peninha ("Sozinho") e ver "Alma Gêmea", do mesmo Peninha (cujo refrão, no DVD Fábio Jr. Ao Vivo, de 2001, foi cantado fervorosamente por um Olympia lotado, diante de um cantor entre surpreso e emocionado) sendo tratada com tamanha má-vontade por uma determinada camada da imprensa e do público.

Parafraseando o próprio Fábio, seria interessante que essas questões fossem avaliadas sem peso e sem medida. Ou pelo menos, com somente UM peso.... e UMA medida.

Dire Straits: mais do mesmo

CD Private Investigations - The Best of... (Mercury/ Som Livre)
2005


Resenha publicada no jornal
IM - INTERNATIONAL MAGAZINE, edição nº 119 (fevereiro de 2006).



Provavelmente para manter o (merecido) culto ao Dire Straits - essa que foi, sem dúvida, uma das mais respeitadas bandas de todos os tempos -, a Som Livre soltou no mercado a coletânea Private Investigations - The Best of Dire Straits & Mark Knopfler (Mercury).

Quase todos os cavalos-de-batalha do grupo do exímio guitarrista de voz rouca estão aqui: a inconfundível "Sultans Of Swing", a etérea "Brothers In Arms", os sucessos "Walk Of Life" e "Money For Nothing" (com a famosa participação de Sting) e a linda "On Every Street" (ouça essa na estrada, à noite, e compreenda todo o seu esplendor).

Sim, QUASE todos: estão ausentes, por exemplo "Lady Writer", "Heavy Fuel", "Why Worry"... Mas somente a ingenuidade nos permitiria pensar que a gravadora poderia abrigar todos os hits em um CD só e, dessa forma, diminuir o apelo do catálogo dos Straits - que permanece, do ponto de vista comercial, interessante até os dias atuais.

O diferencial dessa coletânea é a presença de canções dos álbuns solo do líder Mark Knopfler, como a boa "What It Is" (de Sailing To Philadelphia, de 2000) e "Boom, Like That" (de seu mais recente CD, Shangri-La), além de faixas de trilhas sonoras que ele realizou, como "Going Home" (tema principal de Local Hero).

O álbum traz uma faixa inédita: "All The Roadrunning", dueto de Knopfler com a cantora country Emmylou Harris, que integra o CD que a dupla lançará em 2006. A paixão de Mark Knopfler pela música country já havia sido exposta anteriormente no álbum Neck And Neck, gravado em parceria com Chet Atkins, em 1990.

No exterior, há uma segunda edição (dupla) desse trabalho, trazendo "Your Latest Trick", "Calling Elvis", "So Far Away", entre outras.

Enfim, Private Investigations... (assim como a também coletânea Money For Nothing, de 1988) é uma boa introdução ao elegante classic rock do Dire Straits. Entretanto, Sultans Of Swing - The Very Best of Dire Straits (1998) - embora também incompleto, é um cartão-de-visitas mais abrangente, possuindo inclusive correlato em DVD. E as compilações são realmente o que podemos esperar do Dire Straits - visto que Knopfler declarou recentemente não ter vontade de retomar as atividades da banda, por hoje sentir muito mais prazer em trabalhar sob uma estrutura menor.

Roberto Carlos: papo sério

CD Roberto Carlos (Sony BMG)
2005


Resenha publicada no jornal
IM - INTERNATIONAL MAGAZINE, edição nº 119 (fevereiro de 2006). Disponível também no site oficial da JOVEM GUARDA e no portal CLUBE DO REI.



A cada final de ano, diante de um novo CD de Roberto Carlos, pululam na imprensa comentários lapidares do tipo: "a capa é azul, igual a dos outros anos". Ou: "o título é 'Roberto Carlos', somente". Ou ainda: "ele não apresentou nada de novo". Análises desse tipo são absolutamente vãs, quase pueris.

A capa do disco recém-lançado (um ano após a dobradinha CD + DVD Pra Sempre - Ao Vivo No Pacaembu), por sinal, segue os padrões habituais de Roberto - uma foto do cantor, em close - e é azul como a maioria esmagadora de seus discos. Mas... e daí? O artista gosta da cor; que mal pode haver nisso? E o álbum, de fato, foi batizado apenas com o seu nome - talvez para não jogar toda a responsabilidade em uma única faixa, ou por não haver exatamente uma música que defina o trabalho.

Novidades? Será que um artista cuja biografia é ímpar em nosso país tem ainda a obrigatoriedade de provar algo mais a quem quer que seja? Ou alguém deseja vê-lo cantando hip hop? Se Roberto Carlos, nos últimos anos, realiza sua música de uma determinada maneira..... ora, é porque isso o agrada - da mesma maneira que Paul McCartney gosta de seu lendário baixo Höfner e Chico Buarque não faz rock'n'roll.

Vamos ao disco, que é o que realmente importa. Muito se comentou sobre a possibilidade de o Rei finalmente pôr em prática o projeto intitulado, a princípio, Sertanejo, acalentado há muito. Não foi dessa vez. Lamenta-se: "Luar do Sertão", por exemplo, ficaria ótima em sua voz.

Entretanto, apesar desse trabalho não ter seguido as diretrizes inicialmente estabelecidas, o fato é que o mesmo (cujo lançamento estava planejado para setembro de 2005, mas acabou sendo entregue - por conta do famoso perfeccionismo de RC - aos 40 minutos do segundo tempo) apresenta realmente um leve tempero regional. Entretanto, seria definido com mais exatidão como um produto... híbrido.

A linda "Promessa" - parceria com Erasmo Carlos lançada por Wanderley Cardoso na década de 60 (porém jamais registrada por Roberto até agora) abre o disco com suavidade. Pouquíssimos intérpretes conseguem transmitir tanta emotividade de maneira tão... precisa ("pois eu já te entreguei minha vida/ e, se algo restar... eu te entrego também...").

Também composta com o Tremendão, "A Volta" vem a seguir. Lançada pelos Vips na década de 60 - e considerada o maior sucesso da carreira da dupla - , a canção foi registrada por RC pela primeira vez somente em 2005. A ótima gravação (com guitarras totalmente Dire Straits e uma interpretação que, em sua enorme intensidade, exala uma esperança, digamos... transcendental - quando ele canta: "só vejo a hora de você chegar", sabemos exatamente a que ele se refere) já assegurou o status de clássico na carreira do cantor e, merecidamente, obteve êxito no ano passado - auxiliada pela inserção na trilha da novela América..

Aliás, RC declarou recentemente que tem ouvido bastante a extinta banda de Mark Knopfler. Talvez viesse a gostar também de Neil Young (o excepcional folk de Harvest Moon, por exemplo) e Bruce Springsteen (o bom Human Touch).

"O Amor é Mais" (do ainda recente Amor Sem Limite, 2000), com sua poesia simples e direta - e, por isso mesmo, tocante - recebe uma nova oportunidade. A versão atual privilegia os violões de aço, trazendo um leve acento agridoce - ainda que não tenha lá grandes diferenças da bela gravação original. Em ambas, como de praxe, Roberto faz com que o ouvinte CREIA nas palavras que está cantando.

A face rural do trabalho fica mais nítida na guarânia "Arrasta Uma Cadeira", a única música verdadeiramente inédita do álbum, parceria com Erasmo. A letra é uma conversa entre amigos (lembra, de longe, "Amigo Não Chore Por Ela", de 1995), e conta com a participação de Chitãozinho & Xororó.

Surpreendentemente, o cantor retomou a antiqüíssima "Meu Pequeno Cachoeiro", singela homenagem à sua cidade natal, situada no Estado do Espírito Santo. A canção ganhou ares de moda de viola.

O álbum traz ainda "Índia" (guarânia paraguaia imortalizada por intérpretes que vão da dupla Cascatinha & Inhana até Gal Costa, passando pelo falecido Paulo Sérgio -, e integrante da trilha sonora da atual novela global das seis), "Coração Sertanejo" (em versão reverente a dos supracitados Chitãozinho & Xororó) e a despretensiosa "Baile Na Fazenda", baião gravado pela primeira vez por Roberto em 1998, agora com uma levada definitivamente country (e trazendo novamente o acordeom de Dominguinhos).

"Loving You", de Leiber & Stoller (e sucesso na voz de Elvis Presley), fecha o CD, em sofisticada versão fox.

Ainda que já tenha chegado aos (mitológicos) 64 anos da canção dos Beatles ("When I'm Sixty-four"), a verdade é que a voz de Roberto Carlos não apresenta qualquer sinal de envelhecimento. Pelo contrário: RC está cantando o fino - suas interpretações parecem melhorar com o tempo, ainda que o repertório desse CD (mesmo composto de boas canções e arranjos do mesmo nível) não prime exatamente pela coesão de Pra Sempre, 2003, seu último CD de inéditas.

Djavan em versão upgrade

CD Na Pista, Etc. (Luanda Records)
2005


Resenha publicada no jornal
IM - INTERNATIONAL MAGAZINE, edição nº 118 (dezembro de 2005).



Um ano após o introspectivo Vaidade, Djavan ressurge com Na Pista Etc, produzido pelo experiente Liminha e, assim como o anterior, lançado pela sua própria gravadora, a Luanda Records.

Desfazendo o (falso) óbvio: não, esse não é propriamente de um CD de remixes, contrariando o que sugerem o título e a capa multicolorida (com a brincadeira de destacar em vermelho as duas primeiras letras do nome do cantor: DJ). Esse é um CD do hábil compositor que é Djavan, com canções bem conhecidas do grande público - porém, usando e abusando da eletrônica. Mas é importante ressaltar: em nenhum momento houve violência ao estilo de Djavan (que, aliás, serve de inspiração para muitos artistas da música brasileira - seria deselegante citar nomes). As melodias e a essência da música do alagoano permanecem inalteradas. Por essa razão, tudo soa...... arejado.

A primeira faixa já surpreende: "Tanta Saudade" (também registrada anteriormente pelo co-autor da canção, Chico Buarque, em CD de 1989), apesar dos seqüenciadores, possui um sabor de... salsa cubana. Igualmente curiosa é a versão de "Azul", cuja melodia da introdução (que se tornou célebre através da gravação de Gal Costa, nos anos 80), aparece aqui pontuada por um interessantíssimo talking box. Assim como é interessante observar, mesmo com o pulso eletrônico, o espírito interiorano de "Capim" absolutamente imaculado.

Em "Asa", o groove convive pacificamente com o peculiar violão de nylon de Djavan. "Miragem", se tivesse sido lançada pela primeira vez hoje, possivelmente seria arranjada da forma como é apresentada nesse álbum. E "Fato Consumado", belíssima melodia advinda dos primórdios da carreira do músico, permanece com o mesmo espírito: ainda é samba... mas um provável samba do século XXI.

O CD é fechado pela versão 2 de "Tanta Saudade" - que traz em si a mesma latinidad da versão que abre o álbum.

Conclusão: trata-se de uma típica coletânea de Djavan - entretanto, depois de um corajoso upgrade. É um produto que certamente visa atingir as camadas mais jovens do público - mas em nenhum momento deixa de ser honesto. Até porque, convenhamos: dos medalhões da MPB, Djavan (ao lado de Gilberto Gil) é um dos que possuem a musicalidade mais contemporânea (vide os exemplos recentes de "Eu Te Devoro", do CD Bicho Solto, o XIII, 1998; e "Acelerou", uma das duas inéditas de estúdio do Ao Vivo, de 1999 - esta última, aliás, presente nesse CD e sem diferenciar muito da gravação original).

Uma boa idéia seria talvez a inclusão de "Lilás" - que já recebeu interessante versão eletrônica em O Amor Me Escolheu (1997), de Paulo Ricardo. Assim como "Um Amor Puro" (a outra inédita do Ao Vivo) teria tudo para se tornar um magistral R&B, estilo "Kiss And And Say Goodbye".

George Benson: pop não é pecado

CD Live - Best Of... (GRP/Universal)
2005


Resenha publicada no jornal
IM - INTERNATIONAL MAGAZINE, edição nº 118 (dezembro de 2005).



George Benson acaba de lançar um novo trabalho: Live - Best Of... (Universal). Quer dizer..... nem tão novo assim: essa apresentação ocorreu em maio de 2000, no Waterfront Hall, em Belfast, Irlanda do Norte - tendo sido inclusive já lançada em DVD (Absolutely Live).

Instrumentista excepcional - ligado inicialmente ao jazz - , Benson aproximou-se posteriormente do pop com o disco Give Me The Night, cuja faixa-título tornou-se um sucesso mundial, gerando descontentamento entre seus admiradores de primeira hora. Mas, verdade seja dita: o pop de George Benson (nascido em Pittsburgh, em 1943) é absolutamente competente e acima de qualquer contestação.

Competência, aliás, que permeia Live - Best Of... - no qual o músico - acompanhado por uma insuspeitada big-band - não esqueceu o jazz, mas optou por priorizar as canções radiofônicas.

Ao contrário do DVD (cujo repertório era dividido em módulos de diferentes estilos), no álbum Benson misturou todas as possibilidades de seu trabalho. O CD é iniciado com um pop de primeira: o sucesso "Turn Your Love Around", seguida pelos solfejos perfeitos de "This Masquerade", um dos melhores momentos do disco.

Na entrevista contida como extra do audiovisual, George Benson afirma que, como guitarrista, já não é "tão rápido quanto antes" e que pratica todos os dias. Pura modéstia. A excelência do músico (sem dúvida um dos melhores do mundo nas seis cordas) aparece nas instrumentais "Breezin'", "Deeper Than You Think" e "Hipping The Hop". O falecido cantor Donny Hathaway (famoso por "The Closer I Get To You" e "Where Is The Love", ambas em dueto com Roberta Flack) é homenageado com a versão de Benson para a sua "The Ghetto".

Mas são as canções que marcaram presença nas FM's que dão o tom do disco: a ótima "Love x Love", "Never Give Up On A Good Thing", a supracitada "Give Me The Night" e, fechando os trabalhos, o clássico "On Broadway", em um verdadeiro show de swing e musicalidade.

Live - Best Of.. poderia muito bem ser um CD duplo - contendo as canções do DVD que ficaram de fora do álbum, com o acréscimo dos hits "Inside Love (So Personal)", "Nothing's Gonna Change My Love For You" e "You Are The Love Of My Life", entre outros. Se bem que a quantidade de sucessos de George Benson é tanta que... seria exaustivo para o artista apresentar tudo em um único espetáculo. Está provado que Benson é um craque em cima de um palco, mas também seria muito oportuno se nós tivéssemos dele o atestado de vigor criativo que um (bom) álbum de inéditas sempre significa. Vamos aguardar.