domingo, 7 de janeiro de 2007

Caetano Veloso: a última que morre

CD Perfil (Som Livre)
2006


Resenha publicada no jornal
IM - INTERNATIONAL MAGAZINE, edição nº 122 (junho de 2006).



Prosseguindo na série de coletâneas Perfil, a Som Livre lança agora o título dedicado a Caetano Veloso, cujo repertório enfatiza basicamente - corroborando a proposta da coleção - seus maiores êxitos comerciais.

Estão aqui contidos alguns clássicos do compositor baiano ("Sampa", "O Leãozinho", "Lua e Estrela", "Menino do Rio" e "Odara", entre outros); canções incluídas em trilhas globais ("Você é Linda", tema de abertura da atual novela das oito; "Meia-Lua Inteira", de Carlinhos Brown; o clássico da bossa nova "Samba De Verão", dos irmãos Marcos & Paulo Sérgio Valle); e seus recentes sucessos populares (como a interessante versão para "Você Não me Ensinou a te Esquecer", do repertório de Fernando Mendes, música-tema do filme Lisbela & o Prisioneiro).

Não há nenhum problema em tentar agradar o povão, pois o próprio Caetano nos ensinou um dia que "não existe nada mais Z do que a classe A", ou "como é pobre se deslumbrar com a 'grande música'". E ele não ficou somente na teoria: gravou Vicente Celestino ("Coração Materno"), se apresentou com Odair José e produziu a trilha sonora do filme-biografia de Zezé di Camargo & Luciano. O simples e o popular, de fato, têm os seus encantos - basta observarmos o registro delicado (também incluído em Perfil) de Caê para "Sozinho", de Peninha, que vendeu na época um milhão de cópias. E com mérito. Embora os pseudo-intelectuais de plantão torçam o nariz, a gravação é, sem dúvida, belíssima.

A despeito de seus entreveros com a imprensa e colegas de classe, posicionamentos controversos e declarações altamente infelizes, Caetano - pela representatividade de sua obra na cultura nacional - merece todo o respeito. Falar mal dele só por falar, soa a tentativa de auto-afirmação, do tipo melancia pendurada no pescoço. Ou seja: minimizar a sua importância na música brasileira é tão estúpido quanto permitir que um automóvel passe em cima do próprio pé.

Contudo, como não reconhecer que o artista há muito não produz trabalhos autorais - só para citar exemplos recentes - como Estrangeiro (1989) e Circuladô (1992), que arrebataram de modo definitivo a opinião pública? Sem contar os registros de apresentações (Fina Estampa Ao Vivo, 1995; Omaggio a Federico e Giulietta, 1999; Noites Do Norte Ao Vivo, 2001), projetos especiais (os refinados Fina Estampa, 1994; e A Foreign Sound, 2004), seu último de inéditas, o conceitual Noites Do Norte, 2000 - embora trazendo alguns bons momentos como "Ia" e "Meu Rio" - está inegavelmente aquém das possibilidades do artista.

Em Perfil,tal estiagem fica exposta no lamentável samba coxo "Não Enche" (Livro, 1997):

"cuidado, oxente! (...).
Quadrada, demente (...), mando o meu bando anunciar: vou me livrar de você (...).
Perua, piranha (...), pra rua, se manda (...).

Pirata, malandra, me deixa gozar, me deixa gozar, me deixa gozar (...).
Vagaba, vampira (...), tarada, mesquinha...".

O que dizer, então de "A Luz de Tieta" (que felizmente está fora dessa compilação)?

"eta
eta, eta, eta

É a lua, é o sol
É a luz de Tieta, eta, eta..."

Enfim, alguma coisa está fora da ordem.

Caetano Veloso é o artista que outrora compôs verdadeiras pérolas como "Luz do Sol" (incluída nessa coletânea), "Terra" e "O Quereres", entre tantas outras. Pouco provável que tenha desaprendido - ele não haveria de apagar a estrada que o seu caminhar já desenhou. Tenhamos esperança em dias melhores.



Em tempo: por outro lado, é digno de registro o gesto do compositor baiano de dedicar "London, London", durante recente apresentação na capital inglesa, à memória do brasileiro Jean Charles de Menezes (barbaramente executado com oito tiros na estação de metrô de Stockwell, confundido com um terrorista). A letra da canção - em contraste com o lamentável episódio - soou tristemente irônica:

"Eu cruzo as ruas sem medo (...).
Um grupo aborda um policial
e este parece tão solícito em ajudá-los (...).
É bom viver em paz e eu concordo... ".

Nenhum comentário: