CD JK - Trilha Sonora da Minissérie
(Som Livre)
2006
Resenha publicada no jornal IM - INTERNATIONAL MAGAZINE, edição nº 122 (junho de 2006).
"...meu vício de insistir nessa saudade que eu sinto
de tudo o que eu ainda não vi..."
("Índios", Renato Russo, 1986)
A Som Livre pôs no mercado JK, a trilha sonora da minissérie sobre a biografia do ex-presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira. E o álbum, sintomaticamente, traz um panorama musical da época em que os fatos ocorreram, através de um repertório composto e/ou gravado da década de 50 até a primeira metade dos anos 60.
Zizi Possi comparece com "Nunca", pérola pinçada da obra do gaúcho Lupicínio Rodrigues, em gravação de 1983. O belo timbre de Emílio Santiago cai como uma luva em "Mulher", composta por Custódio Mesquita em parceria com o também finado ator Sady Cabral. A Princesinha do Mar dos tempos em que o Palácio do Catete era a sede do Governo Federal é homenageada por Gal Costa com a dobradinha - ou pot-pourri, como era então chamada - "Sábado em Copacabana" (de Dorival Caymmi e Carlos Guinle, famosa na voz de Sylvia Telles) e "Copacabana" (do célebre João de Barro, o Braguinha, e Alberto Ribeiro). O mestre Caymmi, por sinal, também está presente com a brejeira "A Vizinha do Lado".
A trilha também conta com duas gravações d'A Divina Elizeth Cardoso (cantora definitivamente inserida na história da música brasileira por gravar o seminal LP Canção do Amor Demais): a pungente "Canção de Amor" (que Caetano Veloso resgatou com suavidade em 1995, em Fina Estampa Ao Vivo) e "Chove Lá Fora", esta última de autoria de outra figura notável da época, Tito Madi (um dos ídolos de Roberto Carlos), igualmente presente no álbum, com "Menina Moça".
Advinda da alta sociedade paulistana, a cantora e compositora Maysa Matarazzo interpreta a sua "Ouça", canção considerada um dos pilares do estilo que se convencionou chamar de... fossa. E o irreverente Menestrel Juca Chaves não perde a piada em "Presidente Bossa Nova".
O então incipiente rock brasileiro não poderia ficar de fora: está representado por "Broto Legal (I'm In Love)", na voz de um dos primeiros ídolos nacionais do gênero, o finado cantor Sérgio Murilo. E Nelson Gonçalves, com sua popularidade já consolidada naquela época, comparece com "Caminhemos" (de Herivelto Martins), em bom dueto com Maria Bethânia, fonograma extraído do disco Ele & Elas - Volume II, 1986.
Entretanto, um ouvinte mais atento perceberá um destaque de Antônio Carlos Jobim no álbum. O período em que a história se desenrola compreende a transição de sua música do samba-canção triste, estilo Dolores Duran (de quem, aliás, foi parceiro) para a grande invenção da qual foi co-autor: a bossa nova. De modo que o Maestro Soberano aparece em "Este Seu Olhar" (na voz aveludada de Dick Farney, que também aparece na trilha no disco com o clássico "Alguém Como Tu"), "Se Todos Fossem Iguais a Você" (pela já mencionada Sylvia Telles), "A Felicidade" (no registro do falecido Agostinho dos Santos, que também interpreta no CD "Balada Triste") e a emblemática "Chega de Saudade" (com Jobim já sendo acompanhado pela Nova Banda).
Falando em co-autoria: a lamentar a ausência de João Gilberto no álbum. Figura fundamental da época (com o advento da supracitada bossa nova), o "esquecimento" do incomparável violonista seria uma hipótese altamente... improvável.
Fechando o repertório, o bolero "Aqueles Olhos Verdes (Aquellos Ojos Verdes)" (Trio Irakitan) e a ginga de "Mocinho Bonito" (Dóris Monteiro).
Contudo, o ponto alto do CD, sem dúvida, é a magistral interpretação de Milton Nascimento para "Peixe Vivo", tradicional cantiga do folclore mineiro - tão representativa das Alterosas quanto "Ó, Minas Gerais" ou a própria bandeira do Estado - , que ficou caracterizada com a "música do Juscelino", inclusive entoada pela multidão durante as exéquias do ex-presidente (nascido em Diamantina). As montanhas de MG vêm à mente durante a audição do soberbo arranjo da gravação de Bituca.
A trilha sonora de JK, portanto, retrata com fidelidade o Rio de Janeiro enquanto capital da República - uma cidade mais elegante, mais próspera e mais feliz, muito distante do tempo das lacraias. Ou, analisando de modo mais abrangente, o álbum ilustra uma era de ouro em nosso País (tanto a nível musical quanto social), que antecedeu um período de trevas, onde o direito, a lei e o pensamento foram impiedosamente esmagados pela força bruta.
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