domingo, 7 de janeiro de 2007

Ana Carolina & Seu Jorge: aliança política

CD e DVD Ana & Jorge - Ao Vivo (Sony BMG)
2005


Resenha publicada no jornal
IM - INTERNATIONAL MAGAZINE, edição nº 122 (junho de 2006).



Ana & Jorge (lançado em CD e DVD, via Sony-BMG), como o próprio título anuncia, flagra o show acústico que uniu Ana Carolina e Seu Jorge, e trata-se do disco líder de vendagens atualmente no eixo Rio-São Paulo.

De cara (e muito provavelmente alguém já deve ter notado isso), percebe-se um caso claro de aliança política - leia-se: permuta de interesses. Ou seja: a cantora mineira - cuja coletânea Perfil (Som Livre) foi o CD mais vendido do ano passado e, pasmem, ainda permanece em posição de destaque na lista - possui dotes vocais incontestes, mas com um repertório eventualmente aquém de sua privilegiada (parafraseando um de seus sucessos) garganta. E esse é o seu calcanhar-de-Aquiles perante alguns setores da crítica que, por essa razão, olham enviesados para o seu trabalho.

Já o compositor fluminense - embora autor do hit "Tem Espaço Na Van", em parceria com Ed Motta - , egresso do grupo Farofa Carioca (que conquistou uma aura cult no Rio de Janeiro), ainda não havia atingido, até então, o estouro comercial, embora desfrutando de uma respeitabilidade perante a especializada que Ana ainda não possui. De modo que ela se beneficiaria do prestígio de Seu Jorge, e este se favoreceria do excelente momento que a cantora atravessa no mercado.

O CD inicia com um módulo solitário de Seu Jorge, que emenda quatro de uma só vez: "São Gonça" (dos tempos do Farofa), "Problema Social", "Zé do Caroço" (do repertório de Leci Brandão), e o hit "Carolina", um samba-rock até bem bacana, no melhor estilo Babulina (com a outra Carolina, a Ana, se garantindo no pandeiro). O compositor possui timbre grave nem sempre agradável, mas também um swing e uma sagacidade nas letras que só se adquire na rua. Ponto para ele.

Os dois mostram entrosamento e descontração nas poucas músicas em que atuam realmente em dupla - como em "Comparsas/O Pequenez e o Pit-Bull", o hit "Pra Rua Me Levar" e a insana "Chatterton" (a propósito - sem moralismo, porque o papo aqui não é esse: mas será que precisava mesmo essa de forçada de rebeldia, berrando dois 'puta que pariu' tão fora de hora, malandragem?).

Também em dueto é cantada uma das duas músicas inéditas do trabalho (a outra é "Brasil Corrupção (Unimultiplicidade)", parceria de Ana com o meu xará Tom Zé, repleta de um populismo infantil - desses de corrente de e-mail - que até Hebe Camargo faria melhor): "É Isso Aí", ótima versão de "The Blower's Daughter", do irlandês Damien Rice, que tomou as FM's de assalto, com justiça. Entretanto, há um porém: a intensidade do refrão exigiu notas altíssimas, plenamente alcançadas por Ana (que escreveu a letra em português). E o contraste entre as vozes foi desvantajoso para Seu Jorge.

Chega o momento em que Ana canta sozinha alguns números, como "Mais Que Isso" e a bela "Vestido Estampado". E a cantora ainda foi gentil para com o seu parceiro em não incluir seus sucessos "Quem De Nós Dois (La Mia Storia Tra Le Dita)", "Encostar Na Tua" e "Uma Louca Tempestade".

O álbum traz duas composições de Chico Buarque ("Tanta Saudade", melodia composta por Djavan; e "Beatriz", belíssima parceria com Edu Lobo) - o que não deixa de ser irônico, visto que, em entrevista recente, Seu Jorge reclamou que Chico "caminha muito na rua, mas nunca andou na minha favela". Estranho. O próprio Seu Jorge declarou anteriormente estar satisfeitíssimo com sua residência-escritório em São Paulo e que não pretende voltar a morar ao Rio, porque a cidade, nas palavras do próprio, está "cheia de gente inerte, que só fica batendo palmas para o pôr-do-sol e jogando conversa fora nos bares". Ou seja: se nem o próprio Seu Jorge quer mais andar na favela em que nasceu... por que então quer cobrar isso de Chico Buarque?

O DVD, por razões físicas, traz cinco faixas a mais que o CD. E o resultado desse encontro não é sublime nem péssimo. Pelo menos, pode-se dizer que, entre equívocos e acertos, a parada de sucessos se encontra liderada por um produto digno - dois músicos sozinhos em um palco, tocando e cantando suas composições, sem aditivos (com exceção da seqüenciada - e dispensável - "O Beat Da Beata", que fecha o álbum) e sem disfarces.

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