CD Segundo (Warner)
2005
Resenha publicada no jornal IM - INTERNATIONAL MAGAZINE, edição nº 124 (agosto de 2006).
Reconheçamos todos que a crítica musical, por vezes, é injusta. Porque, sendo notícia, possui a mesma urgência das que preenchem os cadernos policiais, esportivos ou de economia. Contudo, em se tratando de música - ou de arte, de um modo geral -, eventualmente pode existir uma certa demanda de tempo para que um determinado trabalho seja avaliado, compreendido. E apreciado.
Por essa razão, lanço agora um desafio: quem nunca cometeu um equívoco de julgamento - para o bem ou para o mal - que atire a primeira pedra.
Um dos mais crassos erros na história recente da música brasileira envolve Maria Rita Mariano. Todos sabemos a responsabilidade que existe acerca do segundo disco de qualquer artista - especialmente no caso da cantora, cujo trabalho de estréia revelou-se um blockbuster de notáveis proporções. E a "especializada" recebeu Segundo (este é, sintomaticamente, o título do CD) com artilharia pesada. De fato, o seu primeiro álbum era superior. Entretanto, meses após o seu lançamento, ressuscitemos o assunto e coloquemos os pingos nos is - até mesmo por uma questão de caráter.
Com todas as suas possíveis falhas, trata-se de um disco bem melhor do que muitos da chamada "MPB contemporânea". Não se pode negar o talento da cantora e, sobretudo, sua coragem - em vez de utilizar os préstimos de um autor do calibre de um Milton Nascimento, por exemplo, ela abre os trabalhos com duas canções do novato Rodrigo Maranhão (vocalista do Bangalafumenga e ex-integrante do Monobloco): a bela "Caminho das Águas" e o samba "Recado", que não faria feio na voz de sua famosa mãe. Também de autoria de Maranhão é a faixa escondida, "Mantra", que fecha o CD.
É bem verdade que o registro de Maria Rita para "Sobre Todas as Coisas" (de Edu Lobo e Chico Buarque) está aquém da versão de Zizi Possi - a canção até batizou o disco que a intérprete de "Per Amore" editou em 1991 - e também da gravação bluesy do próprio Chico (no CD Paratodos, 1993), com suas guitarras (!) lancinantes. Assim como a sua versão de "Minha Alma (A Paz que Eu Não Quero)" nada acrescenta à canção d'O Rappa. Mas Segundo tem muitos pontos favoráveis. Muitos.
E um deles é a boa "Mal Intento", do uruguaio Jorge Drexler, compositor que até Oscar já ganhou (a despeito da grosseria da organização da cerimônia em NÃO convidá-lo a apresentar a canção vencedora, "Al Outro Lado Del Río" - por tratar-se de um "desconhecido para o público norte-americano"). Lamentável. Houve, na imprensa brasileira, quem criticasse a gravação de Maria Rita - mas talvez isso seja decorrente daquele lamentável conceito: "se bunda falasse, falaria Espanhol...". Mas isso é assunto para um outro artigo.
O destaque do CD, no entanto, é a linda "Casa Pré-fabricada", do repertório dos Los Hermanos (lançada pela banda no ótimo Bloco do Eu Sozinho, 2001). Com o todo o respeito aos talentosos barbudos - e eles, inequivocamente, o merecem - , mas a voz da cantora realçou nuances da melodia que ficaram obscuros na gravação do quarteto carioca, criando um número soberbo, verdadeiramente tocante.
Eventualmente, fica a impressão de que a questão é... er, pessoal. Sim, porque, eventualmente, a coisa invade o território extramusical: por exemplo, na temporada de lançamento de Segundo, no Canecão (RJ), muitos cometeram a deselegância de achincalhar... o vestido que a cantora usava.
Coisa desagradável. E o que isso tem a ver com música?
Se, por um lado, o código genético que Maria Rita carrega é uma honra, por outro... deve ser um fardo. Afinal, estamos falando da maior cantora que esse país já teve - permanecendo, 23 anos após seu desaparecimento, imbatível em técnica vocal, habilidade histriônica e escolha de repertório. Mesmo que exista quem afirme, num arroubo de iconoclastia pré-adolescente, que Elis Regina "é um dos produtos mais supervalorizados da cultura nacional", devendo ficar "na cristaleira, junto com as porcelanas da vovó".
E somos obrigados a ler isso.
Mas o fato é que Maria Rita, nas entrevistas, se mostra... digamos, um tanto desconfortável com a (indiscutível) influência de Elis em seu estilo, gestual, voz, etc. - desconforto esse que acaba soando.... indelicado. Ora, por que o mal-estar por algo tão... evidente?
Talvez um profissional experiente poderia auxiliá-la a tratar essa questão de maneira um pouco mais... astuta e ponderada. Entretanto, se é realmente verdade o que se noticiou recentemente - que, no final, é a cantora "que decide tudo" - então... paciência.
Ou será que Segundo ficou estigmatizado por causa de uma infeliz estratégia de marketing da gravadora (o famoso episódio dos iPods dados de presentes para os críticos)? Fica a impressão de que, quem recebeu o aparelho, detonou o trabalho por se sentir "aviltado em sua integridade" (oh...). E quem não recebeu o presentinho... falou mal do CD porque ficou... na bronca - pela exclusão, claro.
Situação complicada.
Bem, mas o importante é que Maria Rita é jovem, e ainda tem um longo caminho pela frente e meu palpite é que ela ainda vai encontrar seu próprio estilo. E não se pode negar que a garota é do balacobaco.
E, queiram ou não, veio para ficar.
TOM NETO assegura que esse artigo não foi estimulado por nenhuma espécie de... gratificação eletrônica....
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