domingo, 4 de fevereiro de 2007

Jay Vaquer: o pop nacional tem jeito

CD Você Não me Conhece (EMI)
2006

Resenha publicada no jornal IM - INTERNATIONAL MAGAZINE, edição nº 125 (setembro de 2006).



O cantor, compositor e produtor Jay Vaquer é filho do homônimo guitarrista americano que foi parceiro de Raul Seixas e sua mãe é a cantora (de lindo timbre, diga-se de passagem) Jane Duboc. Participou em 2000 do musical Cazas de Cazuza - cuja trilha sonora virou CD, via Som Livre - e havia lançado dois CDs solo: Nem Tão São, 1998; e Vendo a Mim Mesmo, 2004. Seu terceiro trabalho, intitulado Você Não me Conhece (EMI) foi lançado no final do ano passado e é lamentável que, até o prezado momento, não tenha tido, na mídia de um modo geral, a merecida repercussão. Sim, porque o seu conteúdo é... surpreendente.

Se Lulu Santos viesse a escutar esse disco (que teve excelente produção do baixista Dunga, que cuidou também das programações eletrônicas), provavelmente se sentiria orgulhoso. Quase 25 anos de bons serviços prestados à causa do pop desse país retornam para ele dessa forma: na certeza da consolidação de um estilo, de uma formatação. E também na observação de sua influência em vários momentos de um produto tão consistente.

E já se pode dizer que o jovem e promissor Jay manipula bem essa linguagem: quase tudo aqui é radiofônico, de fácil assimilação, mas em nenhum momento ralo, raso, descartável. E, ainda por cima, ele canta bem pacas.

Certa vez, alguém disse que, para se dominar a canção popular - ou seja, para conceber uma melodia que grude no ouvido e possa ser assoviada por um número expressivo de pessoas - é necessário (ao contrário do que muita gente, erroneamente, imagina) um grande conhecimento dos cânones musicais.

Verdade.


"Às vezes, me sinto nomeado interino de Deus... "

E esse saber, essa confiança transparecem em Você Não me Conhece. Ouça a balada "O Tal do Amor (8 e 80)" e belisque-se para crer. Nos três minutos dessa faixa, sensibilidade e técnica caminham lado a lado - e por que não? A mesma boa impressão é causada por "A Falta que a Falta Faz", que abre os trabalhos.

A pulsante "Cotidiano de um Casal Feliz" - cujo clip teve alta rotatividade na MTV - arranca a fórceps e expõe, com seus versos diretos, as mazelas ocultas no útero familiar da classe média carioca (drogas, adultério, pedofilia, abuso de poder econômico, racismo, desinteresse cultural, automatismo religioso, frivolidade e afins):

"Ele manda em tudo, em todos, curte seu poder
e deixa a esposa em casa pra brincar no treco de qualquer traveco,
em troca de prazer -
vai saber porquê... (...)

E eles têm escravos, disfarçados de assalariados

diariamente humilhados,
se levantam cedo,
se arrumam apressados

têm hora marcada pra falar com Deus. (...)

Ele guarda no H.D. fotos de crianças nuas,
pra tirar um lazer -
curte ver aquilo quando fica só;
ela conta os passos que dá no trajeto

entre a terapia e a boca do pó.


E até pensa em adotar alguma criatura:

pode ser uma criança ou um labrador -
só depende da raça, depende é da cor...


o que pintar primeiro...".

Aliás, além da fluência pop do trabalho, o quesito letra merece uma menção à parte: há muito tempo não se observa uma preocupação lírica tão evidente. Não há a menor dúvida: Jay Vaquer é um letrista bem acima da média. Em "Campo Minado", ele até sacaneia: "Não me diga que não tenho consideração/ se até me esforço na tentativa de escutar/ suas frases bestas, soltas pra "impactar"/ num estilo Caetano-de-saia/ que tem o dom de alugar... ".

Outros destaques são: a ótima "Quando Fui Fred Astaire", a visceral faixa-título, "Na Próxima Vez", e a barroca "Paredes", que fecha o CD.

Bem, nada está perdido. Torçamos para que Você Não me Conhece ainda venha a ter melhor sorte. O pop nacional merece.

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