CD Cabeça Dinossauro (Warner)
1986
Artigo publicado no jornal IM - INTERNATIONAL MAGAZINE, edição nº 124 (agosto de 2006).
Já foi lembrado que o seminal Selvagem?, dos Paralamas do Sucesso (o disco que se tornou um paradigma de brasilidade no pop nacional) está completando duas décadas de lançamento em 2006. Entretanto, há um trabalho - tão representativo quanto este - que também foi editado há exatos 20 anos, e que merece igual registro: Cabeça Dinossauro (Warner), dos Titãs .
Na ocasião, o grupo paulistano já vinha de dois trabalhos (Titãs, 1984; e Televisão, 1985, produzido por Lulu Santos) os quais - apesar de hits como "Sonífera Ilha", "Toda Cor" e "Insensível" - deixavam, com seu instrumental difuso, a impressão clara de que a banda carecia de... foco. E aí reside a importância de Cabeça... na carreira dos Titãs. Até então, a banda, com um visual esdrúxulo, se apresentava em programas popularescos da época (como Barros de Alencar, por exemplo) e acabava sendo colocada um tanto à margem de seus contemporâneos do rock brasileiro.
Muito bem produzido por Liminha (que, por coincidência - ou não - produziu também Selvagem?), Vítor Farias e Pena Schmidt (o produtor do já mencionado primeiro álbum dos Titãs), o disco começa a surpreender já na parte gráfica, de concepção do vocalista e tecladista Sérgio Britto. Nada de tradicionais fotografias da banda: capa e contracapa exibiam figuras grotescas, quase animais, fidelíssimas ao título do trabalho. Mas, para quem imaginava que essas imagens foram extraídas de alguma revista de quadrinhos de terror, o encarte informava que as mesmas eram de autoria de ninguém que Leonardo da Vinci, e seus originais estavam expostos no renomado Museu do Louvre, na França.
E, do ponto de vista musical e lírico, Cabeça... foi o grande cavalo-de-pau na trajetória do então octeto: com uma sonoridade visceral (flertando eventualmente com o reggae e o funk), os Titãs realizaram a crônica da perplexidade e da fúria do homem diante do mundo ao seu redor e, dessa forma, expuseram conceitos contundentes a respeito de instituições familiares ("Família"), de segurança ("Polícia", que recebeu, anos depois, uma violenta versão do Sepultura), religiosas ("Igreja") e governamentais ("Estado Violência"), além de petardos como a punk "A Face do Destruidor", "Bichos Escrotos", "Porrada", "Tô Cansado", e o refrão onomatopaico de "AA UU".
A tribal faixa-título trata-se de uma adaptação do Cerimonial Para Afugentar os Maus Espíritos, dos Índios do Xingu (!). E em "Homem Primata", há a constatação de que, milhares de anos após o Paleolítico, o homem não havia evoluído da sua condição de... símio.
O engenho concretista de Arnaldo Antunes (que deixou a banda nos anos 90) aparece em "O Que", o qual, apesar da letra minúscula ("Que não é o que não pode ser/ Que não é/ O quê?") foi transformada em um legítimo funk mega-dançante.
A distorção de Cabeça.. tornou-se, desde então, um parâmetro para a sonoridade dos Titãs, que - não por acaso - regravaram, em 1988, em Go Back (registrado ao vivo durante o conceituado Festival de Montreux, na Suiça), várias canções de seus dois primeiros álbuns, porém com arranjos atualizados.
Cabeça Dinossauro permanece em catálogo e a verdade é que seu som não datou. Para as novas gerações, vale a pena conhecer esse clássico do rock nacional, que foi o embrião de trabalhos fundamentais na obra dos Titãs como Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas (1987), o supracitado Go Back, Õ Blésq Blom (1989) e Titanomaquia (1993), e certamente exerceu inegável influência sobre músicos que surgiram posteriormente. O resto é história.
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