sábado, 3 de março de 2007

George Michael: um astro diferente

DVD A Different Story (Aegean - importado)
2006


Resenha publicada no jornal
IM - INTERNATIONAL MAGAZINE, edição nº 127 (novembro de 2006).



Acaba de ser editado na Europa - ainda sem previsão de chegada ao Brasil - o DVD A Different Story, documentário que focaliza a vida e a carreira de George Michael, com depoimentos de Elton John, Mariah Carey e Noel Gallagher, entre outros. Na ocasião de lançamento do filme (que permaneceu meses em cartaz nos cinemas do Velho Continente), o cantor declarou estar encerrando sua carreira artística e, por essa razão, optou por lançar essa biografia como uma forma de apresentar a sua versão dos fatos - além de despedir-se dignamente de seu público.

- Este filme talvez seja o máximo que vocês terão de mim a partir de agora. Para mim, o futuro está muito mais ligado aos bastidores do negócio do que à exposição pública. Mas achei que era importante eu me explicar antes de desaparecer - declarou em entrevista da época.

Cantor de qualidade indiscutível, bom compositor, e competente como produtor e multiinstrumentista - sempre gravou seus discos praticamente sozinho -, Georgios Kyriacos Panayiotou nasceu em 1963, em North London, Inglaterra. Possui ascendência grega (da parte de seu pai, dono de restaurante no qual, antes da fama, o astro confessou ter lavado muitos pratos e trabalhado como garçom) e, em 25 anos de vida artística, vendeu mais de 80 milhões de discos, acumulando uma fortuna de quase US$ 150 milhões. Iniciou sua trajetória nos anos 80, na companhia do amigo de infância Andrew Ridgeley, no duo Wham!, que se tornou uma usina de sucessos, como "Wake Me Up Before You Go-Go". No DVD, os dois ex-parceiros recordam esse período.

Não tardou para que George se tornasse um artista solo. O primeiro álbum, Faith (1987) vendeu 14 milhões de cópias e gerou vários hits, como "One More Try", "Kissing a Fool" e a faixa-título. Clips como o de "I Want Your Sex" e "Father Figure" ajudaram a criar uma imagem de sex-symbol. Entretanto, para o disco seguinte, Listen Without Prejudice (1990), o cantor tinha outros planos: menos exposição na mídia e mais ênfase na música.

De fato, o álbum surpreendia, apontando novos caminhos: além da letra reflexiva de "Praying For Time", há uma convincente bossa nova ("Cowboys & Angels"), um cover de Stevie Wonder ("They Won't Go When I Go"), um interessante híbrido de violões e seqüenciadores ("Waiting For That Day") e uma canção típica do estilo de Paul McCartney (a bela "Heal The Pain").

A capa original mostrava apenas a foto em preto-e-branco de uma multidão de banhistas, sem qualquer menção ao nome do artista. Além disso, no vídeo promocional de "Freedom '90" - estrelado por top-models como Linda Evangelista e Naomi Campbell -, George Michael não aparecia.

Tal postura gerou descontentamento na sua gravadora, a Sony, e iniciou uma longa batalha judicial - durante a qual, obviamente, George não lançou nenhum álbum (participando apenas dos projetos Red Hot + Dance, Two Rooms e do EP Five Live ao lado de Lisa Stansfield e dos membros remanescentes do Queen). Mesmo assim, obteve sucesso mundial com o single "Don't Let The Sun Go Down On Me", pérola de Elton John, gravada ao vivo com a participação do próprio.

Findo o litígio, com vitória da multinacional (e George tendo que lançar uma coletânea dupla - Ladies & Gentlemen, editada, na verdade, em 1998 - para cumprir o contrato), ele realiza o seu disco da maturidade como autor: o ótimo Older, de 1996. Nesse trabalho, o músico põe em prática tudo o que almejava: belas melodias ("It Doesn't Really Matter" e "Jesus To a Child") arranjos elaborados ("To Be Forgiven" e "Spinning The Wheel") e boas letras (como a faixa-título e a melancólica "You Have Been Loved"), sem esquecer o pop que o consagrou (presente em "Fast Love" e "Star People"). No encarte, uma dedicatória a Antônio Carlos Jobim ("que mudou minha maneira de olhar para a música"), compositor que seria gravado por George no projeto Red Hot + Rio, com o clássico "Desafinado", cantada em português, num dueto com Astrud Gilberto. No mesmo ano, grava um bom MTV Unplugged que não chegou a ser lançado - embora pirateado em áudio e vídeo.

Em 1999, prosseguindo sua caminhada pela consolidação como artista sério, lança um disco de intérprete: Songs From The Last Century. Produzido pelo experiente Phil Ramone e acompanhado por uma big band, o álbum traz versões sofisticadas para canções de Frank Sinatra ("My Baby Just Cares For Me" e "Where Or When", de Rodgers & Hart), Roberta Flack ("The First Time Ever I Saw Your Face"), U2 ("Miss Sarayevo") e The Police ("Roxanne").

O mais recente trabalho de George Michael foi Patience, cuja gravação demorou incríveis cinco (!) anos. Embora sem a inspiração de Older, trata-se de um CD refinado, bem acima da média do pop atual. O repertório alterna faixas feitas sob encomenda para as pistas (a irresistível "Amazing", "Freek", "Flawless" e a polêmica "Shoot The Dog" - cândida "homenagem" a George W. Bush e ao premier britânico Tony Blair) e canções intimistas, com letras confessionais (tais como "Round Here", "John And Elvis Are Dead" e "My Mother Had a Brother"), tendo gerado, até o momento, cinco singles.

Em A Different Story, George não deixa de mencionar golpes duros que sofreu: a morte do namorado brasileiro, Anselmo Feleppa (em 1993) e de sua mãe (em 1997), além do desagradável episódio envolvendo um policial em um banheiro público em Los Angeles, que lhe rendeu um processo - e através do qual o mundo tomou conhecimento da sua homossexualidade.

Mas o curioso é observar que, meses após o lançamento da película, o cantor - em um gesto à la Silvio Caldas - revogou o encerramento de sua carreira: já editou dois singles em 2006 ("An Easier Affair" e "This Is Not Real Love", dueto com Mutya Buena). E, mais que isso, anunciou 25 Live, turnê européia - a primeira em 15 anos (!) - em comemoração ao quarto de século de vida artística. A apresentação de estréia foi no Palau Sant Jordi, Barcelona, no último dia 23 de setembro. Em nota oficial, um tanto constrangido, George fez um gracejo: "Bom, dá pra notar, não? Nunca diga nunca...".

É. Sábia decisão.

Em tempo: nesse ano, o cantor envolveu-se duas vezes em problemas com a lei. Em fevereiro e outubro, ele foi detido pela polícia britânica em situações semelhantes: desacordado em cima do volante do seu carro, supostamente sob o efeito de estupefacientes.

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