sexta-feira, 2 de março de 2007

Skank: o pop enquanto arte

CD 
Carrossel (Sony & BMG)
2006


Resenha publicada no jornal IM - INTERNATIONAL MAGAZINE, edição nº 126 (outubro de 2006).


Aos 15 anos de carreira, o Skank já ostenta um belo currículo. O grupo mineiro, líder das FMs nos anos 90, compôs mega-hits do calibre de "Garota Nacional" (que seria capaz de entusiasmar até uma enfermaria), "Te Ver" e "Jackie Tequila", um reggae de versos absolutamente inusitados ("Jackie é uma menina tão bonita que enjoa / (...) Linda toda, toda linda ela/ toda a beleza se reconhece nela (...)/ égua, língua, mingua a minha mágoa..."), entre muitos outros sucessos. Isso, sem contar canções que passaram desapercebidas do grande público, mas que, rearranjadas, até poderiam futuramente ser retomadas pela banda, como "O Beijo e a Reza" - ensolarada, se transformaria naturalmente em uma bossa nova -, "Eu Disse a Ela" e "Réu e Rei".

Em 2000, a guinada estética do álbum Maquinarama foi um passo decisivo na carreira do Skank. O dance-hall foi deixado de lado, em prol de uma formatação mais harmônica - tendência confirmada no sucessor Cosmotron, 2003, o último de inéditas da banda. Os resultados não poderiam ter sido melhores: desde então, os rapazes de Belo Horizonte produziram infalíveis gemas pop na mais pura linhagem Beatles ("Três Lados", "Vou Deixar"); momentos que não constrangeriam o Clube da Esquina ("Dois Rios", "Ali"); bossa sem o menor odor de roupa-velha-de-armário ("É Tarde", "Balada do Amor Inabalável"); e, não bastasse, uma versão personalíssima - e estourada - de uma canção de Gilberto Gil ("Vamos Fugir"), sem temer qualquer tipo de subserviência artística. Ou seja: os caras se garantem.

Trata-se, portanto, de um caso raro no Brasil - encontrando pares somente em Marisa Monte e outros poucos - de música de qualidade e, ao mesmo tempo, viável do ponto de vista comercial. Inteligentemente (na melhor tradição mineira), o grupo intercalou seus dois mais recentes discos de carreira com o seu primeiro CD ao vivo (MTV Ao Vivo em Ouro Preto, 2001) e também a sua primeira coletânea (Radiola, 2005, que trazia um repertório exclusivamente gravado no século XXI - com a notável ausência de "Resposta", 1998, que foi sem dúvida o marco zero da transformação).

Ora, não sejamos ingênuos: o Skank é contratado da gravadora Sony. Portanto, é fundamental equilibrar, entre um trabalho mais sofisticado e outro, produtos que também atendam aos interesses de uma empresa multinacional. Não considerar esses fatores é pura tolice. E é bem provável que o próximo passo seja um Acústico MTV.

Bem, o Skank acaba de editar um novo álbum de inéditas, Carrossel, no qual não apresenta o menor sinal de cansaço ou de auto-indulgência. Ou seja: Samuel Rosa, Lelo Zanetti, Haroldo Ferreti e Henrique Portugal ainda procuram.

E acham.

"Eu e a Felicidade", a faixa que abre a bolacha, tem letra psicodélica de Nando Reis - aliás, a melodia também tem muito do estilo do ex-titã - amparada por um dedilhado de violão algo... hum, digamos... caipira. As cordas asseguram o lado She's a Rainbow da coisa, que logo desemboca em um pop rock parrudo, com direito a um órgão Billy Preston e um belo solo de guitarra.

Mas a verdade é que, num gesto de coragem, o Skank - a banda que um dia gravou a pulsante "É Uma Partida De Futebol", lembra? - concebeu um trabalho onde a tônica são as canções mais delicadas, mais elaboradas, como a "O Som da Sua Voz", a bela "Seus Passos" e "O Homem Solitário" (típico clima de western italiano, que fecha o CD).

E são vários os bons momentos desse álbum. Aliás, o mais adequado seria dizer que nenhuma faixa aparece enchendo lingüiça - todas têm a sua proposta, o seu atrativo. A intensa "Lugar" é totalmente Wings - uma das bandas mais subestimadas desde sempre. E essa não é a única referência ao grupo que Paul McCartney liderou nos anos 70: a estradeira "Até o Amor Virar Poeira" lembra a levada de "Junior's Farm".

"Cara Nua", nos detalhes de guitarra, na melodia e nas alusões carnavalescas da letra de Humberto Effe (ex-Picassos Falsos) surpreendentemente soa um tanto... Los Hermanos. "Notícia" começa melódica e tristonha, para depois ter o seu andamento acelerado, praticamente metamorfoseando-se em outra canção.

"Trancoso" merece uma menção à parte: com letra de Arnaldo Antunes sobre linda melodia de Samuel Rosa, a canção é o registro fonográfico mais suave de toda a carreira da banda. Uma evolução e tanto em comparação a, por exemplo, "Saideira", de apenas oito anos atrás. Destaque também para a onírica letra (escrita por Rodrigo Leão) de "Antitelejornal", que possui um quê de Chico Buarque.

Um ouvinte mais atento irá perceber que o Skank foi minucioso na busca de timbres de teclados e guitarras para esse álbum - o que não é lá muito comum em discos nacionais. O melhor exemplo disso é a floydiana "Panorâmica". E ainda ouve-se um banjo aqui, uma flauta ali, uma marimba acolá...

A psicodelia corre solta na lisérgica "Garrafas", com melodia do baixista Lelo Zanetti (compositor bissexto, mas sempre eficiente dentro da banda - é ele o autor de "Canção Noturna" e "Resta um Pouco Mais") e instigante letra de Chico Amaral, com metáforas aparentemente sexuais: "e ela me mostrou uma flor lilás/ que eu aspirei...".

O primeiro single de trabalho, "Uma Canção é pra Isso" (cujo clip, antes do fechamento dessa edição, já era, incrivelmente, um dos indicados desse ano ao VMB na MTV) é mais um clássico instantâneo advindo do estúdio Máquina e, na certa, você já ouviu - se é que não esteve fora do país nos últimos 30 dias. E há um grande potencial radiofônico também em "Mil Acasos" e "Balada Pra João e Joana" - essa última, um pop certeiro como uma falta cobrada no ângulo.

Carrossel é um bom disco que confirma o vigor criativo e o amadurecimento do quarteto das Alterosas - e, nesse caso, amadurecimento nada tem a ver com "envelhecimento", muito menos "apodrecimento". Mais uma vez, é revalidado o conceito de pop-como-forma-de-arte criado nos anos 60 por Andy Warhol. Entretanto, com uma ressalva: os 15 minutos de fama do Skank estão muito longe de terminar.



Veja o vídeo oficial de "Uma Canção é pra Isso":

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